O escritor José de Alencar deu azar – e não entrou como nome de personagem no filme Brasília 18%, de Nelson Pereira dos Santos, que estréia em todo o Brasil na sexta-feira 21, feriado de Tiradentes. Há os personagens chamados Olavo Bilac, Lima Barreto, Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos e Gonçalves Dias, todos grandes expoentes da literatura brasileira, mas não há José de Alencar. E quem achou melhor não incluí-lo foi o próprio diretor do filme. Nelson Pereira dos Santos não gosta do autor de Iracema? Gosta sim. Ele tesourou José de Alencar somente porque é esse também (excetuando-se o de) o nome do vice-presidente da República. “Tive medo de que achassem que era uma referência a ele”, diz o cineasta. Por que o medo? Porque, embora eclipsado por uma história de amor, Brasília 18% é um filme ambientado em Brasília que trata essencialmente da corrupção de políticos. Ainda no campo dos personagens, bom destino também não teve Machado de Assis, o fundador da Academia Brasileira de Letras na qual Nelson Pereira dos Santos acabou de ganhar um assento. No filme, Machado é o nome de um deputado que fala o português completamente errado. “Alguns acadêmicos viram o filme e aprovaram a brincadeira”, diz ele. Depois de 11 anos sem fazer um filme de ficção, o cineasta está de volta e, na verdade, não passa mesmo de brincadeira o nome de seus personagens. O tema do filme, no entanto, é bastante sério: esquema de propina entre os políticos. E Nelson Pereira dos Santos anda um tanto desiludido e niilista: “A corrupção está no governo, tanto faz se é de esquerda ou de direita.”

Nelson Pereira dos Santos se consagrou como cineasta em 1956 com Rio 40 graus, um filme que escancarava o engajamento social de seu criador. Meio século se passou e ele volta a colocar nas telas um tema social e político, menos panfletário, mas igualmente crítico – o enredo, bem-humorado, se desenrola a partir do confronto entre a ética de um médico legista chamado Olavo Bilac (interpretado por Carlos Alberto Riccelli) e a virulência de políticos que não gostam de ser contrariados. Se os imortais da ABL gostaram de Brasília 18%, como diz o próprio cineasta, a sua pré-estréia em Brasília não agradou muito a chamada classe política que tinha muitos de seus representantes no cinema. O motivo não foi a mistura de amor com corrupção embalada no gênero policial noir. A pouca receptividade tem outros motivos: o vilão da história é um senador (interpretado por Carlos Vereza), pai de uma deputada (Malu Mader) que é francamente adepta das falcatruas de seu genitor. E, para os políticos que insistiam em associar os 18% do título a alguma insinuação de porcentagem de suborno, Nelson Pereira dos Santos respondia: “Segundo me disseram, 18% é pouco.” Esse índice, garante ele, refere-se mesmo à baixa taxa de umidade do ar em Brasília.

O cineasta explica também que em nenhum momento passou por sua cabeça a intenção de depreciar Brasília. A história se dá no Planalto Central porque é lá que “a corte política e econômica está diretamente ligada a interesses privados”. Além disso, ele tinha o interesse de mostrar como na capital do Brasil a prostituição cresceu nos últimos tempos. “Em 1965 eu morei em Brasília e havia muitas prostitutas jovens na cidade. Mas é incrível como esse negócio prosperou e está sofisticado”, diz ele. A parte policial do filme fica por conta do desaparecimento de Eugênia (Karine Carvalho), uma assessora parlamentar honesta. Como tinha muitas informações sobre alguns poderosos da política, há gente interessada em que ela seja morta. Enquanto o corpo de uma mulher não-identificada aguarda um laudo no IML, o legista Olavo Bilac tem encontros com a morta (ou suposta morta) em cenas que parecem ser fruto de sua imaginação apesar, dos fortes indícios de que tudo é muito real. “Eu deixo a ambigüidade no ar”, diz o cineasta. Todo esse mistério que compõe o enredo e sua solução se transformam em expectativa nacional, e uma edição da revista ISTOÉ, que trata do assunto na capa, circula de mão em mão. Se o legista Olavo Bilac confirmar que Eugênia é a mulher morta, o seu namorado, Augusto dos Anjos (Michel Melamed), passa a ser o maior suspeito de assassinato. Augusto dos Anjos, aliás, é quem faz uma das mais belas passagens do filme: ao depor numa CPI, ele recita versos adaptados de Canção do exílio, de Gonçalves Dias. Só que em sua versão não há uma terra “onde canta o sabiá” – ele fala de uma terra “onde canta o dinheirô”.