19/04/2006 - 10:00
Por essa nem o Snoopy esperava. A seguradora americana MetLife, que adota o simpático personagem dos quadrinhos como garoto-propaganda, não passou pelo crivo da Superintendência de Seguros Privados (Susep) no processo de pré-qualificação do leilão de
venda do controle da Nossa Caixa Capitalização, subsidiária do Banco Nossa Caixa, de São Paulo. Outra gigante do setor, a espanhola Mapfre, também não. A Susep, autarquia ligada ao Ministério da Fazenda, sugeriu a desqualificação das duas concorrentes no leilão, previsto para a quinta-feira 26, e tumultuou os planos do governo do Estado de São Paulo de conquistar um novo parceiro privado para vender produtos financeiros na rede do banco estadual. “Foi uma surpresa”, diz Carlos Eduardo Monteiro, presidente da instituição.
Uma carta sucinta, assinada pelo superintendente da Susep, René Garcia Júnior, e acompanhada de um relatório de apenas três páginas, surpreendeu na tarde da sexta-feira 7 os executivos do Banco Nossa Caixa e dos três grupos seguradores candidatos à compra da Nossa Caixa Capitalização: a MetLife, a Mapfre e a Icatu Hartford. No documento, o superintendente da Susep informou que somente a Itumbiara Participações, do Grupo Icatu Hartford, instruiu o pedido na forma do
edital de venda e comprovou capacidade econômico-financeira, sendo a única empresa em condições de prosseguir no leilão. E recomendou, “em nome dos princípios da moralidade administrativa e da competitividade”, que seja repetida a fase de pré-qualificação.
Não fosse o conturbado cenário político, a ação da Susep teria pouca importância fora do mercado financeiro. Afinal, trata-se de um negócio muito pequeno – o preço mínimo é de R$ 24 milhões – para o tamanho dos grupos envolvidos. Mas o Banco Nossa Caixa entrou na linha de tiro da campanha pré-eleitoral. A demissão por justa causa de um funcionário do banco, no final de 2005, por autorizar pagamentos a agências de publicidade com base em contratos vencidos, virou inquérito no Ministério Público e serviu de munição contra o ex-governador Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSBD à Presidência da República. E o PT entrou com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para suspender o leilão da Nossa Caixa Capitalização.
O curioso é que a carta da Susep trouxe justificativas técnicas consideradas pouco relevantes para desqualificar dois fortes concorrentes do Icatu. No caso da Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada, subsidiária da MetLife no Brasil, o argumento da Susep é que “a sociedade não apresentou a estrutura do grupo de controle”. Segundo Osiane Nascimento Arieira, analista técnico que assina o relatório, a informação foi preenchida de forma incorreta no formulário. Presente no Brasil desde 1999, a MetLife foi fundada nos Estados Unidos em 1868 e tem operações na América Latina e na Ásia. Em 1912, deu apoio aos sobreviventes do naufrágio do Titanic. Em 2002, comprou no Brasil a Seguradora América do Sul e, em 2003, a carteira corporativa da Seguradora Zurich.
A conclusão da Susep sobre a Mapfre Vera Cruz Vida e Previdência também chama a atenção. A empresa “não apresenta capacidade econômica para esse investimento”, escreveu Arieira. Pelos seus cálculos, a empresa tem patrimônio líquido ajustado de R$ 117 milhões e apresenta uma insuficiência de capital de quase R$ 5 milhões e, portanto, não poderia participar do leilão. Trata-se de uma companhia do mesmo grupo que investiu R$ 225,8 milhões no ano passado para comprar 51% da Nossa Caixa Seguros e Previdência, em leilão na Bovespa. Para os espanhóis, dinheiro não é exatamente problema. “A Mapfre tem um excesso de solvência de R$ 70 milhões no Brasil e de US$ 3,4 bilhões na Europa”, diz Antônio Cássio dos Santos, presidente da empresa no País. “Podemos trazer o capital necessário se ganharmos o leilão, como fizemos no caso anterior”, afirma. Faz sentido, especialmente numa fase de pré-qualificação, já que nenhum investidor estrangeiro direto envia recursos antes de vencer um leilão de privatização.
Agora, o Banco Nossa Caixa espera que as duas empresas recorram à Susep para remarcar a data do leilão para o mês de maio. Vender pelo preço mínimo a um único concorrente, nem pensar. No leilão anterior, o ágio foi de 46,6% e turbinou o lucro do banco no final do ano. “Nosso interesse é que haja a maior competição possível”, diz o diretor financeiro Rubens Sardenberg.