19/04/2006 - 10:00
A passagem do candidato nacionalista Ollanta Humala para o segundo turno das eleições presidenciais no Peru, com cerca de 30% dos votos, parece confirmar à primeira vista a suposta “onda esquerdista” que varre a América do Sul. Essa tendência começara em 1998 com a eleição de Hugo Chávez para a Presidência da Venezuela, seguida pela vitória nas urnas de Lula no Brasil, Néstor Kirchner na Argentina, Tabaré Vazquez no Uruguai, Evo Morales na Bolívia e, finalmente, Michele Bachelet no Chile. Como é sabido, Humala mantém “laços fraternais” com todos esses presidentes. E a impressão de que existe mesmo essa “onda de esquerda” foi reforçada na terça-feira 11. O presidente peruano, Alejandro Toledo, ausentou-se do país e viajou aos EUA para assinar um tratado de livre comércio. Humala não perdeu a chance: ameaçou “rasgá-lo” caso ele seja ratificado pelo Congresso. O interessante é que Humala exibiu o seu antiamericanismo sem sequer saber se o seu adversário no segundo turno será o ex-presidente Alan García ou a ex-deputada Lourdes Flores – o primeiro é de centro-esquerda, a segunda é de direita. Essa bravata antiimperialista pode impressionar as eternas “viúvas” de Che Guevara na América Latina, mas não ilude os setores progressistas do Peru – eles associam a figura de Humala, tenente-coronel da reserva do Exército, à extrema direita do espectro político com seus cacoetes racistas e autoritários. Essa origem vem do berço de Ollanta Humala, 43 anos: seu pai, Isaac Humala, é o ideólogo do Movimento Etnocacerista, um grupo radical cujas teses racistas de supremacia incaica beiram o fascismo. Ulisses Humala, um de seus irmãos, também é candidato à Presidência pelo ultranacionalista Avança País. A sua mãe, Elena Tasso, disse que os homossexuais deveriam ser fuzilados no Peru.
O próprio Ollanta Humala foi forjado na violenta repressão ao Sendero Luminoso (a abominável guerrilha maoísta peruana) e é suspeito de ter aterrorizado camponeses em íntima colaboração com os órgãos de repressão fujimorista. Ele também participou da guerra do Peru contra o Equador e, em 2000, no apagar das luzes do governo Fujimori, liderou uma tentativa de golpe junto com seu irmão Antauro – que voltou a se rebelar no ano passado, está preso, mas foi candidato a deputado pelo Avança País.
Por estranhos caminhos, na América Latina “os nacionalistas de esquerda se confraternizam com o ultranacionalista de direita no Peru”, diz o analista político Demétrio Magnoli. “Esse congraçamento é embalado no antiamericanismo e na resistência à globalização.” Talvez seja por isso que qualquer um dos candidatos que enfrentar Humala no segundo turno (Alan García ou Lourdes Flores) tem grandes chances de vencê-lo.