Ela mesma se define como uma menina danada, dessas que não param quietas um só minuto. Neste momento, com toda a sua energia, a senadora Heloísa Helena está disposta a sair candidata a presidente pelo PSOL. Ela acredita que, quanto mais concorrentes houver, mais haverá condições para se questionar o “receituário de irresponsabilidade fiscal, social e administrativa representado pelos antigos e pelos novos inquilinos do Palácio do Planalto”. É claro que, com sua linguagem pessoal e intransferível, a senadora está fazendo referências aos adversários do PSDB e do PT. “O povo precisa saber que há alternativas que devem ser expostas e discutidas.” Nos últimos meses, graças a sua participação na recém-encerrada CPI dos Correios, Heloísa Helena ganhou visibilidade nacional e, uma vez candidata, acreditam muitos analistas, tem boas chances de crescer durante a campanha. Segundo as pesquisas atuais, ela pode largar de um patamar de 5% das intenções de voto. Pessoalmente, no entanto, ela não faz contas. A ISTOÉ, a senadora atacou os partidos que buscam alianças “apenas de olho na matemática eleitoral” e avaliou como falsa a polarização entre o PT e o PSDB: “É o mesmo projeto de País, só que dividido em dois palanques”, dispara. Defensora ferrenha do fim do voto secreto no Congresso e, na mesma direção, da quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de todos os agentes públicos, ela poderá apresentar na campanha a proposta de um salário mínimo de R$ 1,6 mil. Abaixo, algumas de suas idéias.

ISTOÉ – O PSOL tem como desfraldar a bandeira da ética que o PT ainda tenta empunhar?
Heloísa Helena – A história da esquerda brasileira ou a defesa da ética na política nem nasceu com o PT nem se encerra com o PSOL. Reconhecemos humildemente que não constituímos o santuário dos ungidos pelos deuses da revolução socialista e da ética. Nós apenas criamos, por obrigação histórica, um abrigo para a esquerda socialista e democrática que não se vende para se lambuzar no banquete do poder e não se rende para ser aceita no convescote do capital. Acreditamos que há espaço, no nosso querido Brasil, para disputar mentes e corações com um projeto de justiça social distanciado do pensamento único neoliberal e amoral.
ISTOÉ – Da forma como está posta hoje, a eleição presidencial pode virar um plebiscito sobre o governo Lula, e uma disputa polarizada entre PT e PSDB. Isso é bom para o debate político?
Heloísa Helena

É fato que setores importantes da sociedade trabalham de forma sofisticada e desprezível para legitimar a falsa polarização PT e PSDB. Mas a eleição não é só PT versus PSDB. Sabemos também das gigantescas dificuldades que esse quadro eleitoral nos impõe. Mas a nossa decisão é não fingir estarrecimento diante da farsa técnica e da fraude política representada pelo mesmo projeto de governo, apenas dividido em dois palanques.

ISTOÉ – Como se posicionar diante disso?
Heloísa Helena

Precisamos apresentar uma alternativa concreta para o Brasil, cumprindo a doce tarefa de desmascarar a verborragia do receituário de irresponsabilidade fiscal, social e administrativa, representada pelos antigos e pelos novos inquilinos do Palácio do Planalto.

ISTOÉ – A eleição presidencial é um momento para aprofundar o debate político. Se houver apenas dois candidatos fortes, esse debate corre o risco de se empobrecer?
Heloísa Helena

Respeitamos as táticas de todos os partidos, especialmente quando não estão referenciadas na medíocre matemática eleitoralista. Essas táticas devem ser definidas pela coerência com os objetivos estratégicos dos programas partidários e na identidade com a alternativa do programa eleitoral apresentado à sociedade. Daí a justa necessidade de buscar todos os espaços institucionais para disputar no imaginário popular, de forma transparente, as convicções ideológicas que norteiam os projetos para o Brasil.

ISTOÉ – Um partido grande como o PMDB pode ficar de fora da eleição para presidente. Qual a sua opinião sobre essa possibilidade?
Heloísa Helena

A pergunta é legítima, mas prefiro não comentar. Não vamos aumentar os inimagináveis problemas que eles já têm para resolver!

ISTOÉ – A campanha deverá ser pautada por denúncias em lugar do debate de um projeto para o País?
Heloísa Helena

Como sertaneja, menina de tranças correndo pela caatinga alagoana (risos), vocês não imaginam como eu era danada, eu aprendi a máxima: “Quem for podre que se quebre!” Assim eles serão tratados no embate eleitoral. Mas não estaremos na eleição limitados a tratar dos aspectos putrefatos do parasitismo da máquina pública, impondo ao eleitorado um estado de náusea infinita. Nós do PSOL estaremos apresentando as nossas alternativas para a democratização da riqueza, das políticas públicas, da terra e do espaço urbano, da informação e da cultura. Trataremos de propostas que vão da soberania nacional, requisito irrenunciável de política econômica mesmo sob a égide da globalização capitalista, até o cumprimento da obrigação do Estado brasileiro em adotar suas crianças e jovens, antes que eles sejam tragados pela prostituição e pelo narcotráfico como último refúgio.

ISTOÉ – Não seria esse o momento ideal para que os chamados partidos pequenos e médios, que estão na oposição, buscassem o entendimento para criar uma alternativa?
Heloísa Helena

Estamos concluindo as nossas propostas, construídas por mãos calejadas e corajosas e técnicos brilhantes que não venderam seus neurônios, para que possamos dialogar com os movimentos sociais e estruturas partidárias sobre o processo eleitoral. Temos relações respeitosas e carinhosas com muitos militantes sociais e dirigentes políticos de outros partidos, mas entendemos ser essencial que a política de alianças seja definida em base sólida e propositiva.

ISTOÉ – Fim do ensino privado e salário mínimo de R$ 1,6 mil são bandeiras do PSol. A sra. acredita que em tempos de globalização esses temas possam ganhar efetivo espaço político?
Heloísa Helena

Não pretendemos eliminar o ensino privado. Até prefiro que ele continue existindo para vivenciar a inveja democrática diante da qualidade da educação pública, caso tenhamos a honra de chegar à Presidência da República. Nós não podemos aceitar que educação infantil, ensino fundamental e médio, educação de jovens e adultos, ensino profissionalizante, ensino superior, ciência e tecnologia sejam apenas palavras nos discursos, e não realidade concreta na vida de todos. Quanto ao salário mínimo citado, esse montante está estabelecido na nossa Constituição, muito falada pelos legalistas de plantão e muito rasgada quando os interesses dos poderosos estão sob risco. Mas não fugimos do debate sobre a necessidade do aumento real do salário mínimo porque é um poderoso instrumento para distribuição de renda e para dinamização da economia local.

ISTOÉ – Mas há um custo a ser pago a cada aumento de salário mínimo.
Heloísa Helena

Compreendemos os problemas relacionados aos custos público, privado e domiciliar do aumento, mas existem mecanismos de compensação possíveis. Só não aceitamos a cantilena enfadonha e mentirosa do défict da seguridade social.

ISTOÉ – Esse era o mesmo discurso do PT anos atrás. Em termos ideológicos, qual a diferença entre o PSol e o PT de 1980?
Heloísa Helena

Reconhecemos o papel que o PT cumpriu quando era o maior partido de esquerda da América Latina. Hoje, infelizmente, é o instrumento da propaganda triunfalista do neoliberalismo e aplicador inconseqüente da mesma metodologia de balcão de negócios sujos que nós condenávamos com ferocidade quando aplicada pelos nossos adversários políticos. Portanto, continuamos respeitando muito as honrosas exceções de petistas honestos e socialistas que lá ainda militam, mas qualquer comparação não seria honesta intelectualmente, pois são conjunturas nacionais e internacionais distintas.

ISTOÉ – O PT cresceu disputando eleições e marcando presença nos movimentos social e sindical. O PSol pretende seguir o mesmo caminho?
Heloísa Helena

O PSOL pretende apresentar ao nosso povo as alternativas concretas e eficazes a curto, médio e longo prazos para a democratização do Estado brasileiro, seja na militância dos movimentos sociais, seja na institucionalidade.

ISTOÉ – O brasileiro tem visto com indignação a absolvição de parlamentares acusados de usar o valerioduto. A sra. acredita que com esse Congresso seja possível mudar essa sina?
Heloísa Helena

Nenhum de nós sabe quais os senadores e deputados beneficiados com o esquema do mensalão. A promiscuidade do Palácio do
Planalto e do Congresso Nacional implodiu a CPI do Mensalão e não houve quebra dos sigilos dos beneficiários iniciais da operação fraudulenta. Não foram identificadas todas as excelências delinqüentes. Nós defendemos, para minimizar
o risco de  impunidade, o fim do voto secreto e a extinção dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de todos os agentes públicos, inclusive até cinco anos depois de deixar
o cargo ou mandato.

ISTOÉ – Sua candidatura à Presidência pode ajudar a construir o PSol, mas praticamente retira do Congresso uma de suas parlamentares mais combativas. Vale a pena?
Heloísa Helena

A definição sobre a candidatura presidencial dar-se-á apenas em maio no Congresso do PSOL. Sei do pavor dos meus amigos e familiares, pois sabem que existem adversários políticos capazes de matar, roubar, caluniar e liquidar qualquer um que ameace seus projetos de poder. Mas, como nunca fui carreirista e oportunista para escolher caminhos a serem trilhados apenas pela ausência de obstáculos, se houver necessidade do meu nome, irei com muita alegria e combatividade. É como eu digo sempre: se eu ganhar a eleição presidencial será maravilhoso para a maioria do povo brasileiro. E se perder voltarei para dar aula na universidade federal da minha querida Alagoas e vou ser recebida com beijos, flores e bolo de chocolate!