12/04/2006 - 10:00
Uma inédita divisão de opiniões tomou conta da sala de guerra do Banco Central, onde se reúne o Comitê de Política Monetária (Copom). De um lado está o presidente Henrique Meirelles, recém convencido de que a taxa de juros deve cair com mais rapidez. No lado oposto, o diretor de Política Econômica, Afonso Bevilacqua, dono de sólida formação acadêmica e entrincheirada posição conservadora. Entre eles, à espreita, posiciona-se o ministro da Fazenda, Guido Mantega, antigo crítico da diretoria do BC e que, apesar de andar sorridente e polido desde que assumiu o cargo, pode voltar à carga diante da necessidade de soltar as amarras da economia no ano eleitoral. Neste cenário, em que a tensão e o nervosismo avançam, Meirelles está reagindo em duas frentes. Do BC para dentro, promoveu uma troca de diretores na quinta-feira 6, a fim de sair de um isolamento que o fez ter apenas dois aliados na última reunião do Copom. O presidente defendeu o corte de um ponto porcentual na taxa, mas quem venceu foi Bevilacqua, uma espécie de primeiro-ministro do BC, em razão de sua influência sobre a maioria dos diretores. Os juros, como queria Bevilacqua, caíram 0,75%.
Para recompor sua maioria na sala de guerra sem mexer no próprio Bevilacqua, visto pelo mercado como principal guardião da atual política monetária, Meirelles anunciou a mudança em três diretorias do banco. Ao mesmo tempo que se esmerou em escolher nomes incapazes de fazer marola no mercado, pinçou economistas da sua própria confiança. Paulo Vieira da Cunha, que foi do Ipea e do HSBC, ocupará o lugar de Alexandre Schwartsman, um aliado incondicional de Bevilacqua, na diretoria de Assuntos Internacionais, Mário Mesquita, que ocupava o cargo de economista-chefe do Banco Real, assumirá a diretoria de Estudos Especiais, no lugar de Alexandre Tombini. E Tombini vai para a diretoria de Normas no lugar de Sérgio Darcy, técnico que deixa o cargo depois de nove anos e muitos desgastes com o atual presidente.
Que fique claro: Meirelles não deu um golpe de mão, apenas criou melhores condições para brigar dentro da sala de guerra por aquele ganhozinho de alguns pontos centesimais que pode fazer os juros chegarem, às vésperas das eleições, em um patamar mais palatável que os 14,25% ao ano sinalizados pelo premiê Bevilacqua. É algo que até experientes executivos, como o ex-diretor de Política Monetária do BC e hoje diretor do Itaú, Sérgio Werlang, defende. “Os juros poderiam cair mais rapidamente, com cortes de um ponto porcentual a cada reunião”, disse ele a ISTOÉ. Meirelles, isso sim, age no fio da navalha. Não quer colocar em risco a credibilidade do BC como instituição autônoma, mas sabe que serão crescentes as pressões de fora por uma redução mais acentuada nas taxas de juros. Uma delas virá, cedo ou tarde, do Ministério da Fazenda. Lá, Guido Mantega, que já bateu boca com Bevilacqua pelos jornais, nem de longe abandonou sua convicção de que os juros podem cair mais rápido. Ele deverá buscar no Planalto, junto a Lula, espaço para uma queda negociada.
O obstáculo de Mantega é, como sempre foi, Bevilacqua. Cabe a ele, dentro da diretoria do BC, esmiuçar todos os indicadores econômicos que influem nas projeções e simulações sobre o comportamento futuro das taxas inflacionárias. Também cabe a ele fazer e apresentar ao Copom a mais importante peça balizadora do comportamento dos juros – o relatório de inflação. “É uma atribuição tão importante que, no banco central da Inglaterra, quem a elabora é o presidente da instituição”, compara o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas. Além disso, o diretor de Estudos Econômicos tem uma imagem consistente. Acadêmico ortodoxo e discreto, que se recusa a divulgar seu currículo no site do banco, só dá entrevistas nos eventos definidos. Não troca figurinhas com operadores e, nas reuniões de rotina com representantes de instituições financeiras, escuta muito mais do que fala. Sua obsessão é acertar na mosca as metas de inflação definidas, custe o PIB que custar. Certa vez, ao ser indagado por um banqueiro sobre o que deveria fazer para entrar no “top five” , o seleto grupo dos bancos que mais acertam as projeções, Bevilacqua foi claro: “É simples, basta apostar no número que eu indicar como o centro da meta de inflação”. O primeiro-ministro do BC é mesmo um osso duro de roer. Mas, com o apoio renovado de Lula, o presidente Meirelles e sua conhecida cautela já afiam a espada para fatiar os juros no ponto certo no próximo encontro na sala de guerra.