12/04/2006 - 10:00
Aprecie as mansões suspensas que ilustram estas páginas. Elas possuem varandas amplas, com vista para pontos privilegiados do Rio de Janeiro, ambientes generosos e acabamento refinado. Estão localizadas em regiões valorizadas como a avenida Sernambetiba, atual Lúcio Costa, na exuberante orla da Barra da Tijuca, no Rio. Mas atenção: não se trata de um anúncio imobiliário daqueles que fazem suspirar. Estes apartamentos são de 56 fiscais e agentes do Ministério do Trabalho, acusados de manter um esquema de corrupção e arrecadação de propinas na delegacia regional do Estado. Foi a maior operação da história da Polícia Federal na cidade. Fica difícil imaginar que esses pequenos pedaços do paraíso, com preços entre R$ 300 mil e R$ 1 milhão, não tenham sido arrematados com o fruto do trabalho árduo de lesar trabalhadores. O esquema, segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, existe há mais de dez anos.
Os imóveis são suntuosos. Estão fora do alcance de consumo da esmagadora maioria dos brasileiros que nem sequer consegue pagar aluguéis baratos. Mirá-los em sua imponência e saber que pertencem a possíveis corruptos amplia a angústia de quem trabalha, paga impostos e conta os reais para comer pizza e beber cerveja nos finais de semana. Parecemos então, diante destes totens de luxo, cidadãos envergando reluzentes narizes de palhaço. E paralisados pelo bombardeio de notícias de escândalos que pipocam na imprensa. A sensação é a de que, em meio a uma seqüência tão impiedosa de atentados ao bem público, tudo parece vulgar mas nada soa como grave.
Na manhã da terça-feira 4, a maioria dos fiscais foi acordada de surpresa, por agentes vindos do Rio Grande do Sul, Paraná e de São Paulo, nas camas king size de suas belas residências. Presos, atravessaram os portões da sede da PF, na praça Mauá, centro do Rio, com os pulsos algemados, uma leve vingança diante da dimensão deste mais novo ataque à combalida ética nacional. Os apartamentos estão lá, firmes na solidez do concreto. Residências exageradas para os padrões dos barnabés, que ainda assim não podem reclamar de seus ganhos mensais, entre R$ 2 mil a R$ 10 mil. Dinheiro suficiente para não precisar cometer mutretas envolvendo rescisões trabalhistas, recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), homologação de demissões judiciais e extorsão de empresários.
Mas os salários, mesmo os mais gordos, não foram suficientes para abastecer os seus devaneios. Porque não fazer uma associação mafiosa e ganhar um dinheirinho a mais? Foi possivelmente com ganhos extras que três deles se reuniram para construir dois pequenos prédios de três andares no Recreio dos Bandeirantes. Os apartamentos, com 100 metros quadrados e três vagas na garagem, foram avaliados entre R$ 220 mil e R$ 280 mil. O fiscal Emmanuel Avelino também tinha espaço para guardar três carros ao mesmo tempo, mas o apartamento era ainda maior. Avelino morava de frente para o mar da Barra da Tijuca num imóvel que custa R$ 1 milhão e, apenas de condomínio, exige gasto mensal de R$ 1,5 mil.
O patrimônio imobilizado pela turma inclui até uma sala comercial na elegante avenida das Américas, também na Barra, avaliada em R$ 120 mil. Está em nome do fiscal Fabiano Rossi, cujo movimento envolveria depósitos no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. Alguns supostos fraudadores iam trabalhar em carrões Toyota cotados em R$ 50 mil. “O fiscal que está ali para evitar fraudes vira o fraudulento. Um verdadeiro escândalo. No Brasil, se conjuga o desgaste dos valores éticos com uma sociedade destituída de valores normativos”, analisa o cientista social carioca Hélio Jaguaribe. “O País perdeu a religião e a ética, fazendo com que a sociedade perca a viabilidade”, lamenta ele.
O antropólogo Rubem Cesar Fernandes, presidente do Movimento Viva Rio, é cético. “A Justiça do Trabalho é um segmento sobre o qual as pessoas são familiarizadas e sabem como brigar pelos seus direitos. Se este setor está corroído dessa forma, imaginem o resto.”
Visível e triste nessa história é que, para proteger corruptos, há sempre a conivência de outros funcionários. Ou seja, muita gente sabe e fica quieta. O governo federal fala em rever processos trabalhistas e tentar ressarcir os prejudicados pela fraude. E a vítima é sempre a mesma: o cidadão comum, que suporta o peso da impotência diante da corrupção cada vez mais banalizada. A saída é arranjar forças para combater essas práticas intoleráveis e, na medida do possível, procurar ter uma vida melhor. Afinal, abrir os classificados dos jornais de domingo e sonhar com um belo apartamento de frente para o mar é legítimo. Desde que isso não custe o fruto do suor de demitidos que trabalharam a vida inteira.