Em exatos 14 minutos de balbúrdia, xingamentos e sucessivas quebras de decoro terminou em Brasília, no início da noite da quarta-feira 5, a CPI dos Correios. O show na última reunião da comissão ficou por conta dos parlamentares do PT, empenhados em apagar do relatório final toda e qualquer referência à prática do mensalão. Contra a maioria que aprovou o texto do relator Osmar Serraglio, no qual o mensalão ficou comprovado e sobressaíram recomendações para o indiciamento criminal dos ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken e o ex-presidente do PT José Genoino, os petistas, definitivamente, perderam a linha. Em especial, o deputado fluminense Jorge Bittar. Nem seu mais fiel eleitor poderia imaginar que ele, esbravejando e com dedo em riste, pudesse ser grosseiro a ponto de usar palavrões e chamar para a briga o presidente da comissão, seu companheiro de partido Delcídio Amaral. “Você não vai fazer isso, seu canalha, seu filho da …, seu judas!”, disparava Bittar, que teve de ser contido pela aguerrida, porém bem-educada, senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) e o delegado senador Romeu Tuma (PFL-SP). Eles evitaram que Bittar agredisse fisicamente o senador Delcídio. No dia seguinte, o presidente da comissão entrou com uma representação contra o deputado, por falta de decoro, na Mesa da Câmara.

Deplorável, o espetáculo encerrou 280 dias de investigações, cerca de 800 horas de trabalho e 50 depoimentos. Nesse período, o Brasil assistiu ao vivo ao desnudar de um esquema de corrupção jamais visto na história do País. Ao mesmo tempo, porém, essa mesma CPI foi o palco de uma sórdida guerra pré-eleitoral entre governistas e oposicionistas, violenta o suficiente para aterrorizar qualquer eleitor. Parlamentares da base de apoio do governo tentaram o tempo todo justificar as peripécias de seus pares flagrados no valerioduto. A estratégia foi a de tentar transformar a prática do caixa 2 em crime pouco relevante. Empenharam-se, ainda, numa linha de defesa que apontava para governos anteriores a origem do esquema, como se tal tese reduzisse a gravidade das descobertas. Os petistas, nessa batalha, candidamente redigiram um relatório alternativo no qual diziam que o partido “foi seduzido” pelo dinheiro fácil oferecido pelo publicitário Marcos Valério. É certo que eles perderam dentro da CPI e também foram derrotados na Comissão de Ética da Câmara, que a partir das investigações enviou ao plenário nada menos que 13 pedidos de cassação de parlamentares. Mas também é certo que ganharam no plenário da Câmara. Ali, diante de um país estarrecido, os deputados absolveram seis de seus pares. O último a ser inocentado foi o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Criou-se, assim, uma situação sui generis: o mensalão ficou provado, mas os mensaleiros foram absolvidos. É como se a existência de um crime pudesse ser possível sem a presença dos criminosos.

A absolvição provocou um efeito renúncia na Comissão de Ética. Treze de seus integrantes pediram afastamento, abatidos pela falta de eco entre o conjunto dos deputados. “O conselho não tem os seus trabalhos respaldados pelo plenário e, em função disso, nós não temos mais por que ficar fazendo um papel meramente encenatório”, justificou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um dos renunciantes. A pedido do presidente da comissão, Ricardo Izar (PTB-SP), oito dos deputados que anunciaram suas renúncias voltaram atrás, comprometidos a esperar o final do processo contra o deputado Vadão Gomes (PP-SP), outro acusado de ser mensaleiro.

Neste clima, os dias que antecederam a votação final do relatório de Serraglio foram marcados por movimentos de bastidores que chegaram a colocar em risco a própria CPI. Na terça-feira 4, alguns parlamentares apostavam na tese de que as investigações poderiam terminar sem que houvesse um relatório final. Do ponto de vista político seria um golaço do governo. Foi pensando nisso que os governistas optaram por um relatório alternativo. Após inúmeras conversas que envolveram líderes como Aloizio Mercadante (PT-SP), Rodrigo Maia (PFL-RJ) e até o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), acertou-se que seriam modificações acordadas. Na votação, porém, foram apresentados 37 votos em separado, só que o presidente Delcídio não permitiu que as mudanças fossem debatidas. Temia que a estratégia servisse para adiar a votação do relatório.

A decisão do presidente da comissão abriu espaço para que os petistas iniciassem a confusão na sessão final. Enquanto o deputado Bittar, apoiado pela senadora Ideli Salvati (PT-SC), exigia a paralisação da votação, Delcídio informava que não iria aceitar a manobra – e continuaria a chamar o voto dos parlamentares. Dessa forma, levou a votação até que se chegasse à maioria de 17 votos a favor do texto do relator Serraglio contra quatro. Os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken foram indiciados com mais 107 pessoas, entre elas Duda Mendonça, Delúbio Soares e o próprio Marcos Valério. Os empréstimos bancários alegados pelo publicitário para justificar o valerioduto não passaram, segundo o relatório, de desculpas para justificar o desvio de dinheiro público.

Depois do tumulto, oposicionistas festejaram e chegaram a carregar nos ombros o relator Osmar Serraglio. “Foi a vitória da investigação correta. O relatório do PT foi um bode na sala para tomar meu tempo, mas não tergiversei nem procurei prejudicar ninguém”, afirmou o relator. Os governistas, por sua vez, correram ao gabinete do senador Mercadante para denunciar o que chamaram de “autoritarismo do companheiro Delcídio”. “A sessão teve clima de tribunal de exceção”, reclamou Mercadante, fechando com o grupo. Ainda na quarta-feira 5, o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) recorreu à Mesa da Câmara para tentar cancelar a votação. A decisão final será dada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. É pouco provável que a oposição consiga reverter o relatório, mas vale ressaltar que o resultado final da CPI dos Correios não foi totalmente negativa ao governo. O texto aprovado poupou o presidente Lula ao assegurar que ele tomou medidas ao ser informado pelo então deputado Roberto Jefferson da existência do mensalão. Essa certeza, no entanto, pode ser abalada esta semana. É que, enquanto os políticos desenvolviam a CPI, os promotores do Ministério Público levavam adiante as suas próprias investigações. Sem amarras políticas, o relatório deles, a ser apresentado esta semana, promete ser bem mais agressivo que o texto de Serraglio – e não apenas contra políticos e ministros.