O tango, que sempre traduziu paixões avassaladoras entre homens e mulheres, acaba de virar protagonista de espaço gay, em plena Buenos Aires. Foi aberta na capital argentina a La Marshall, primeira tangueria do mundo dedicada ao público homossexual. Na casa, o ritmo, que contribuiu para imortalizar o poder de sedução cortante dos latin lovers, agora embala gays e lésbicas, que se entrelaçam na pista e jogam o corpo para todos os lados ao som de clássicos como El día que me quieras. Animada, parte dos gays portenhos trocou o bate-estaca eletrônico tão admirado nas festas da turma pelo romantismo derramado de Carlos Gardel. A La Marshall é um enorme salão com bar e decoração que lembra uma discoteca. Um ambiente bem distinto das milongas, as tradicionais casas de tango da cidade. Está localizada na avenida Córdoba, nº 4.185. As noitadas gays, realizadas às quartas-feiras, a partir das 22 h, são extremamente concorridas. O preço do ingresso é de dez pesos, o equivalente a R$ 9. Um valor modesto para os baladeiros argentinos, que costumam pagar no mínimo 15 pesos para entrar em um boliche (discoteca) nos finais de semana.

O dono da La Marshall é o professor de tango Augusto Balizano, 34 anos, também homossexual. Ele atribui o sucesso da casa ao seu caráter “versátil e libertário”. “Aqui , ao contrário do que acontece nas milongas, onde o homem sempre conduz a dança, combina-se quem vai liderá-la e pode acontecer de tudo”, diz Balizano a ISTOÉ. A rigor, a prática de dois homens dançarem juntos remete às origens do tango. Oscar Cesarotto, psicanalista e autor do livro Tango malandro (Ed. Iluminuras), lembra que, no início, o ritmo era dançado por dois homens, os compadritos (malandros), em casas de prostituição na região portuária da cidade. “No começo do século passado, os imigrantes sem família, na falta de mulheres, dançavam juntos”, diz o psicanalista.

Mas nas conservadoras milongas não há nada de libertário. Existem aproximadamente 60 delas em Buenos Aires. Espalham-se por toda a cidade e o público não é definitivamente dado a liberalidades. O ambiente ainda é muito machista. Mas a cultura gay, como em todo o mundo, conquista território por lá. Calcula-se que haja aproximadamente dois milhões de homossexuais assumidos na Argentina, numa população de 36 milhões de pessoas. Buenos Aires é a única cidade da América Latina que permite a união jurídica entre homossexuais. Pelo menos no quesito tolerância, os passos são harmoniosos.