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FÚRIA A cidade de Guaraciaba (à esq.): dos dez mil habitantes, 9,4 mil estão sem casa. Em São Paulo, o rio Tietê transbordou

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Na esmagadora maioria das vezes, sempre que no Brasil se leu ou se ouviu a palavra tornado, ela veio acompanhada de imagens catastróficas de outros países – sobretudo dos EUA, geograficamente posicionados numa linha de vulnerabilidade de cerca de 70% em relação ao total de ocorrências desse fenômeno climático na Terra.

Na semana passada, porém, o País inteiro ouviu falar, e muito, em tornado, só que desta vez assistindo a imagens trágicas e desesperadoras que remetiam particularmente à nossa região Sul – e, mais precisamente ainda, a Santa Catarina.

O Estado foi castigado por três tornados que, na quinta-feira 10, ainda deixavam um desolador saldo de quatro mortos, aproximadamente 120 mil pessoas sem água e luz, 170 feridos e pelo menos 22 mil desabrigados.

O mais forte deles, com ventos que se estima tenham alcançado a incrível velocidade de 120 quilômetros por hora, fustigou em suas estonteantes colunas de ar giratórias a pequenina cidade de Guaraciaba. O município viveu um inferno em redemoinho: possui dez mil habitantes, dos quais 9,4 mil ficaram ao relento.

Lamentam-se, é claro, os tornados estrangeiros. Mas "é diferente quando esse vento e essa água em fúria entram em nossa casa", diz a agricultora Maria Possato. "Eu e meu marido tentamos proteger o sofá, que era novo. Quando percebi que não dava, me abracei a minha filha, mas o vento nos fez voar."

Nas cidades vizinhas de Santa Cecília e Salto Veloso, foram 500 as casas atingidas e cerca de 70 pessoas ficaram feridas. Também o Rio Grande do Sul e o Paraná se viram alcançados pela chuva e pelo vento descomunais, com feridos, residências destruídas e vastas regiões completamente inundadas.

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Foi o encontro do ar mais frio com o ar mais quente, prevalente na região, que formou nuvens com desenvolvimento (digamos performance) vertical (chamadas supercélulas) e gerou violentos ventos de mais de 100 quilômetros por hora. "A umidade da Amazônia se liberta, viaja até a Argentina, o Paraguai e o sul do Brasil", diz o meteorologista Flávio Varone, do Instituto Nacional de Meteorologia. Se somarmos a isso as ondas de calor e frio e o desmatamento, "temos a formação de áreas imensas de instabilidade."

Eis a arquitetura de um tornado, eis a nossa vulnerabilidade a ele. Se o Sul ficou no epicentro do que se chama "funil" nesse fenômeno (coluna de ar giratória que se estende de uma nuvem até o solo), a região Sudeste, na qual a cidade de São Paulo foi bastante atingida, sofreu seus efeitos periféricos. Em sete horas, choveu em São Paulo o que se estimava para todo o mês de setembro.

Contavam-se nove mortos até a quinta-feira 10. Houve um mar de enchentes (o rio Tietê, que corta a cidade, não transbordava há quatro anos), faltou luz, ocorreram apagões de telefones e de internet e destruição de casas. Embora no Brasil não se esteja familiarizado com a expressão tornado, é certo que essa não é a primeira vez que aqui se forma e se desenvolve tal situação climática. "Na realidade, sempre houve tornados no País", diz Verone.

Ocorre, porém, que muitas vezes eles se deram em áreas desabitadas ou em regiões que não têm estrutura tecnológica adequada para detectá-los com antecipação – carência que não é uma exclusividade brasileira. O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), por exemplo, avisara sobre as condições do tempo para as regiões Sul e Sudeste devido ao calor e à umidade, mas nada disse preventivamente sobre tornados.

Eles foram confirmados, no entanto, pelo Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina. Em relação ao passado, o tornado de maior intensidade de que se tem notícia aconteceu em 1991 na cidade paulista de Itu, com ventos que oscilaram entre 334 e 419 quilômetros por hora.

Em 2000, a cidade gaúcha de Viamão viu-se atingida por esse evento do clima. E como será o futuro imediato, os próximos dias e as semanas? "Quando fazemos previsão, seguimos o modelo da pior opção para que pequemos pelo excesso e não o contrário", diz o meteorologista do Cptec Olívio Neto.

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