16/09/2009 - 10:00
PROJEÇÃO Roselayne, mãe aos 19 anos, se incomoda com a independência da filha Steffany
Os grandes tabus na psicologia familiar geram desconforto até mesmo em pensamento. Entre os temas abomináveis – e evitados a todo custo nas discussões em casa – estão a preferência do pai, ou da mãe, por um dos filhos, a rejeição pelo outro, a decepção com a imagem do bebê após o nascimento – quando se esperava uma criança mais bonita ou com determinadas características – e o desejo oculto dos pais de se livrar das crianças para curtir um momento a sós. No terreno das hostilidades veladas, nada é mais difícil para uma mãe do que admitir uma competição com a filha, que geralmente toma a iniciativa para lavar a roupa suja em diários, sessões de terapia ou na literatura.
No livro "A Vida que Vivemos" (Editora Larousse), lançado no mês passado no Brasil, a escritora Patti Davis, 56 anos, filha do ex-presidente americano Ronald Reagan relata a difícil relação com sua mãe, a atriz Nancy Reagan, 88 anos. "Desafiei a paciência da minha mãe e ela me intimidou. Nunca fomos doces uma com a outra", diz. Nancy teria rejeitado Patti por suas opiniões contrárias à postura conservadora da família, o que rendeu um distanciamento de 20 anos. Apenas em 1994, quando Reagan foi diagnosticado com o mal de Alzheimer, mãe e filha se reconciliaram. "Só aprendemos a nos comunicar na última década", revela a autora, que colheu depoimento de outras celebridades, também falando sobre suas mães (leia quadro abaixo).
O caminho mais simplista para justificar a rivalidade entre mãe e filha seria o complexo de Electra, análogo ao complexo de Édipo, que enfatiza a disputa pelo amor do pai. No entanto, o pressuposto não abraça o complicado sistema que envolve essa competição. A psicóloga Ana Maria Zampieri, especialista em terapia familiar, aponta para o risco do reducionismo ao se tentar definir vítimas e culpados nessa relação. Ela também ressalta a participação dos outros membros da família na complexa rede de intrigas, ainda que de forma inconsciente.
A filha, por sua vez, sente-se rejeitada pela mãe em relação aos irmãos. "Ela sempre fica contra mim e a favor deles", diz. Há dois anos, encontrou algumas respostas para o conflito na análise. "Estamos nos aceitando aos poucos, mas ainda disputamos a atenção do meu pai", revela. A mãe discorda. "Não sinto que há uma rivalidade. Apenas somos birrentas", diz Vânia, que não deixa de reconhecer seus trunfos na relação com o marido. "Quando quero alguma coisa da rua, ele traz na hora. Quando Mariana pede, ele nega e ela se irrita."
A primeira dificuldade na superação da rivalidade começa pela falta do reconhecimento da existência da disputa, principalmente por parte da mãe. Afinal, o senso comum confere à filha o direito ao erro e à imaturidade, mas cobra da mãe um comportamento impecável, de amor incondicional. "As mães também têm suas limitações", afirma a psicanalista Marina Ferreira da Rosa Ribeiro, que prepara um livro sobre os entrelaces psíquicos entre mães e filhas. "As mães que sustentaram as suas vidas na beleza, por exemplo, ao chegar à terceira idade, têm dificuldade em tolerar a juventude das filhas", afirma.
Os casos mais dramáticos de rivalidade podem ter suas explicações nas gerações anteriores. "A experiência que a mãe teve com a sua própria mãe é decisiva para compreender a competição", afirma Marina. Para uma maternidade equilibrada, a psicanalista aponta para a importância da maturidade emocional da genitora, que precisa entrar em sintonia com os seus processos mentais e assumir as suas limitações.
"É comum que o pai alimente essa hostilidade entre mãe e filha", afirma. Foi nessa relação em novelo que se estabeleceu o vínculo delicado entre a professora Vânia Lúcia Capachi, 57 anos, e sua filha Mariana, estudante de arquitetura, 28. "Desde pequena, quando perguntavam dos filhos (além de Mariana, Marcela, 32, e Eduardo, 22), meu marido respondia que a Mariana era a mais bonita, a mais inteligente, a mais esperta", conta a mãe.
OPOSIÇÃO Uma das maiores inimigas da psicanalista Melanie Klein foi sua filha e colega de profissão, Melitta
A filha, por sua vez, sente-se rejeitada pela mãe em relação aos irmãos. "Ela sempre fica contra mim e a favor deles", diz. Há dois anos, encontrou algumas respostas para o conflito na análise. "Estamos nos aceitando aos poucos, mas ainda disputamos a atenção do meu pai", revela. A mãe discorda. "Não sinto que há uma rivalidade. Apenas somos birrentas", diz Vânia, que não deixa de reconhecer seus trunfos na relação com o marido. "Quando quero alguma coisa da rua, ele traz na hora. Quando Mariana pede, ele nega e ela se irrita."
A primeira dificuldade na superação da rivalidade começa pela falta do reconhecimento da existência da disputa, principalmente por parte da mãe. Afinal, o senso comum confere à filha o direito ao erro e à imaturidade, mas cobra da mãe um comportamento impecável, de amor incondicional. "As mães também têm suas limitações", afirma a psicanalista Marina Ferreira da Rosa Ribeiro, que prepara um livro sobre os entrelaces psíquicos entre mães e filhas. "As mães que sustentaram as suas vidas na beleza, por exemplo, ao chegar à terceira idade, têm dificuldade em tolerar a juventude das filhas", afirma.
Os casos mais dramáticos de rivalidade podem ter suas explicações nas gerações anteriores. "A experiência que a mãe teve com a sua própria mãe é decisiva para compreender a competição", afirma Marina. Para uma maternidade equilibrada, a psicanalista aponta para a importância da maturidade emocional da genitora, que precisa entrar em sintonia com os seus processos mentais e assumir as suas limitações.
As restrições e imposições da mãe sob o argumento de proteção à filha também podem camuflar uma cobiça pela liberdade inerente à juventude. "Ela implica com o meu namoro, com as minhas roupas e tem medo que eu repita a sua história", diz a estudante de administração Steffany Abreu, 20 anos, filha da costureira Roselayne Abreu, 39, que engravidou aos 19. No âmbito das projeções, Steffany diz que a mãe também transfere para ela o desejo frustrado de se formar em veterinária. Segundo a psicóloga Mariana Chalfon, a rivalidade também pode partir dos filhos, que têm os pais como referência ideológica, seja por identificação, seja por oposição. "Quando a filha rivaliza com a mãe, insiste em ser o oposto dela", afirma. Foi o que ocorreu com Melitta Schmideberg, filha da psicanalista Melanie Klein. Melitta, que se dizia negligenciada por Melanie na infância, se dedicou a agredi-la diante dos colegas da Sociedade Psicanalítica Britânica e até a acusá-la de ter sido responsável pelo suicídio do seu irmão.
Ao contrário da filha, Melanie nunca se lançou aos ataques em público, mas agia nos bastidores, para coibir a ascensão profissional de Melitta. Elas nunca se reconciliaram. Apesar de ter escrito uma das maiores obras-primas da psicanálise – o tratado "Inveja e Gratidão", no qual poderia ter explicado a essência da rivalidade da sua filha -, pouco se sabe da percepção pessoal de Melanie sobre a perseguição implacável de Melitta. A psicóloga Mariana Chalfon ressalta que a rivalidade iniciada pela filha tem continuidade com a mãe quando essa interpreta negativamente as diferenças de personalidade, o que alimenta as trocas hostis. "Geralmente, falta nesta mãe a consciência de si mesma e do seu papel na maternidade", diz.
Independentemente da gravidade do conflito, há luz no fim do túnel. A relação saudável é possível para todas as mães e filhas, até mesmo para aquelas com as histórias mais densas e complicadas. O desafio é levantar o tapete, espanar a poeira e mergulhar no passado. "Cada relação tem a sua complexidade e um histórico que culminou na disputa", afirma a psicóloga Mariana Chalfon. Segundo as psicólogas Caroline Eliacheff e Nathalie Heinich, autoras do livro "Mães- Filhas. Uma Relação a Três" (Editora Martins Fontes), a condição para uma convivência gratificante é o respeito à pluralidade das relações e às fases de vida da outra. Mas a chave está na matriarca. "A mãe deve abraçar a inevitável evolução da filha e transitar, ela própria, entre a sua maternidade e a feminilidade", afirmam as autoras na obra, ressaltando a importância de que uma não coloque a outra no centro ou na periferia de sua vida.