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Quando Nelsinho Piquet entrou no majestoso prédio de estilo neoclássico situado na Place de La Concorde, em Paris, na tarde do dia 30 de julho, estava prestes a mandar pelos ares sua carreira de piloto.

Ali funciona a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e naquele dia ele prestou um depoimento arrasador. Nelsinho confessou sua participação na mais vergonhosa fraude já tornada pública na Fórmula 1 e que ocorreu no Grande Prêmio de Singapura, realizado em setembro de 2008. Ele detalhou a trapaça articulada com os cartolas da Renault, Flavio Briatore e Pat Symonds, para beneficiar Fernando Alonso, o outro piloto da equipe.

O depoimento é impressionante: "Fui convidado (…) a bater deliberadamente meu carro, a fim de influenciar positivamente o desempenho da Renault", declarou. "Concordei com esta proposta e conduzi meu carro para acertar o muro, provocando um acidente entre as voltas 13 e 14."

O documento com a transcrição veio a público na quinta-feira 10. O depoimento de Nelsinho ocorreu após um acerto entre seu pai, o ex-piloto Nelson Piquet, e o presidente da FIA, Max Mosley, de livrá-lo de punições se dissesse a verdade.

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De qualquer forma, para Nelsinho, esta mancha pode representar o fim de carreira aos 24 anos. Uma das poucas alternativas de salvação viria do pai. "Estou disposto a investir na F-1", disse a um amigo o tricampeão Nelson Piquet.

Para este amigo, isso significa que Piquet-pai poderia comprar uma equipe na qual o filho seria piloto. O destino da Renault será decidido pela FIA até o dia 21. Mas a equipe anunciou que processará os dois Piquet por chantagem.

Em carta publicada pela revista inglesa "Autosport", do dia 28 de julho, dois dias antes das denúncias à FIA, Briatore nega a Nelson Piquet as insinuações de que a batida havia sido proposital e sugere que o assunto surgiu apenas para chantageá-lo com o objetivo de renovar o contrato de seu filho. Nelsinho foi demitido da Renault no mês passado. Se isso for verdade, a situação da família Piquet pode se complicar.

Na sexta-feira 11, a guerra desceu para um patamar ainda mais baixo. Falando à Rádio Jovem Pan sobre Nelsinho, Briatore disse: "Ele me acusou de tê-lo feito romper uma relação com um amigo. O pai de Nelsinho que me pediu para interferir. Ele vivia com um senhor e não se sabia o tipo de relação que tinham."

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Por tudo isso, a colisão em Singapura causou um estrago que a categoria terá muita dificuldade para recauchutar. Enquanto montavam seu circo no autódromo de Monza, onde o Grande Prêmio da Itália se realiza no domingo 13, pilotos, engenheiros e dirigentes se mostravam desconcertados com a admissão de culpa de Nelsinho.

"Estou muito surpreso", alegou o espanhol Fernando Alonso. Ele disse não saber nada sobre a fraude. O brasileiro Rubens Barrichello sugeriu punição para Nelsinho."Se alguém tiver a capacidade de fazer isso, não merece estar no esporte." Outros pilotos admitiram que, na época, a colisão pareceu realmente estranha.

O alemão Nick Heidfeld, da BMW-Sauber, foi um deles: "Logo depois da corrida, todos comentaram que pareceu ter sido de propósito." O tricampeão Nelson Piquet soube dos fatos três dias depois do GP de Singapura.

Na ocasião, ele disse a Nelsinho que não conseguia justificar o acidente a não ser por algum problema no carro, mas na Renault lhe mostraram que nada havia de errado. Diante da pressão do pai, o filho admitiu ter batido de propósito, atendendo à sugestão de Briatore. Piquet-pai orientou então que o filho fizesse denúncia imediatamente à FIA. Ele se recusou.

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Disse que gostaria de continuar na Renault ou ir para a Toro Rosso, que havia aberto negociações. A avaliação dos Piquet, então, foi a de que a denúncia naquele momento poderia fechar todas as portas na F-1. Na temporada de 2009, movidos pela demissão da Renault, pai e filho decidiram ir por outro caminho. Sustentam que Briatore rompeu todas as cláusulas do contrato e por isso resolveram denunciar a fraude de Singaedição, a comunicação à FIA partiu do próprio piloto.

Nelsinho começou no kart aos 8 anos. Sempre tendo à disposição um ilimitado apoio financeiro do pai, seu melhor desempenho foi na Fórmula 3 britânica, na qual aos 17 anos foi campeão. Ao se transferir para a F-1, no fim de 2007, mostrou ter herdado a arrogância de seu pai e disse que era capaz de ser campeão. A curta trajetória na principal categoria do automobilismo foi, no entanto, decepcionante. Participou de 28 GPs e em apenas um subiu ao pódio, perfazendo escassos 19 pontos.

Nesse período, chamou a atenção por seu mau humor e por suas declarações polêmicas. Apesar do salvo-conduto concedido pela FIA, Nelsinho deverá ficar fora das pistas por falta de equipe. "Mesmo que a FIA não venha a puni-lo, ele terá dificuldades de retornar à F-1, sua imagem foi muito prejudicada", diz o piloto Luciano Burti, da Stock Car. "Nenhuma grande escuderia vai querer tê-lo agora", concorda o comentarista Reginaldo Leme, da Rede Globo.

É aí que pode novamente entrar a ajuda do pai, disposto a comprar ou se tornar sócio de uma equipe. Comenta-se que teria interesse em fazer uma proposta para adquirir a BMW. Na sexta-feira 11, Nelsinho se pronunciou publicamente sobre o episódio pela primeira vez. "Não tenho nada a temer", escreveu em seu site. "Embora esteja ciente do poder e da influência daqueles que estão sendo investigados e dos vastos recursos que possuem."

A expectativa é de que Briatore e Symonds recebam penas severas. O italiano Briatore teve participação em vários escândalos da F-1. Um dos maiores aconteceu em 1994, quando estava na Benetton. Ele implantou um sistema ilegal de reabastecimento que negligenciava a segurança. Resultado: um incêndio quase matou um dos mecânicos da equipe. Além disso, Schumacher, que naquele ano estava na Benetton, foi campeão depois de jogar seu carro contra Damon Hill. Agora, Briatore está encurralado. O presidente da FIA é seu rival, o inglês Max Mosley.

A guerra quase causou um racha na categoria no meio do ano. Depois que Mosley tornou-se personagem de escândalo sexual, ao participar de uma orgia sadomasoquista, foi ridicularizado pelo italiano. Agora, o inglês tem a chance de ir à forra. O episódio expõe mais uma vez as vísceras da F-1. Pelas gigantescas cifras envolvidas, pela disputa de marcas famosas no automobilismo e pelo superego de seus integrantes, as pistas e bastidores se transformaram em cenário de valetudo.

"Nos acostumamos a ver absurdos, como pilotos que se deixam ser ultrapassados para favorecer um companheiro de equipe", diz Cristiano da Matta, que esteve na F-1 em 2003, referindo- se a uma situação que Rubinho Barrichello viveu algumas vezes na Ferrari, para beneficiar Schumacher. "Onde há tanto dinheiro envolvido, o jogo é mais pesado." O presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), Cleyton Tadeu Pinteiro, lamentou o fato de haver um brasileiro no centro da baixaria e acha que alguém deve ser punido.

"O jogo tem de ser limpo, o piloto tem de vencer por seus méritos, não se valendo de subterfúgios", diz. Espionagem, colisões estranhas e ultrapassagens arranjadas se tornaram uma rotina das pistas. Diante deste escândalo, os dirigentes da F-1 têm uma oportunidade histórica: ou retomam a ética que deveria nortear qualquer esporte ou assumem que a categoria é um covil onde impera o jogo sujo e os honestos – além dos verdadeiros esportistas – não têm lugar.