16/09/2009 - 10:00
ONTEM E HOJE A Up5 (abaixo), sua criação mais famosa. À dir., ele em plena atividade, aos 70 anos
Gaetano Pesce, 70 anos, sempre foi um homem inquieto. Uma das primeiras coisas que fez quando entrou para a Universidade de Arquitetura de Veneza, no final da década de 1950, foi escrever para empresas como Dunlop e Bayer.
Seu objetivo era descobrir quais eram as novidades nos materiais desenvolvidos pelas gigantes dos derivados de petróleo. Enquanto seus colegas estudavam produtos de construção tradicionais, como madeira e cimento, Pesce só tinha olhos para resinas, matizes de vidro e materiais compostos, como o poliuretano.
Por causa de seu interesse, Pesce foi convidado, em várias ocasiões, a visitar fábricas e experimentar produtos praticamente desconhecidos fora do círculo industrial. Seu apreço pelo novo e pelo inesperado é a marca de seu trabalho desde então. "As descobertas acontecem quando não se segue as regras", filosofa Pesce, que esteve em São Paulo, na semana passada, para um evento organizado pela Casa Cor. E se tem algo que ele faz é desobedecer a quase todas as regras que têm pautado o design e a arquitetura.
A recusa ao conformismo – palavra e conceito que Pesce diz detestar – garante a ele lugar controverso no panteão mundial não só dos designers e arquitetos, mas também dos artistas plásticos. Marcados sempre pelas cores quentes, formas orgânicas e materiais inéditos, os móveis e projetos de Pesce não estão apenas nas casas de seus clientes, mas em vários museus de renome em todo o mundo, como o Museum of Modern Art (MoMa), em Nova York, o Victoria & Albert Museum, em Londres, e o Centre Georges Pompidou, em Paris, entre outros.
"Ele é de uma geração de designers italianos que não se preocupou com forma e função para priorizar a arte", explica o arquiteto brasileiro Arthur Casas. "Clientes meus que compraram obras do Pesce são mais colecionadores de arte do que consumidores de design", conta. Entre os objetos-ícone produzidos por Pesce está a linha de cadeiras Up, com sete variações, criada em 1969.
Arredondado ao extremo, o assento do modelo mais representativo da série – a Up5 – remete a uma imagem feminina corpulenta. Mas é no detalhe do apoio do pé, ligado ao móvel por um cabo, que está o significado da cadeira. É como se o objeto fosse uma bola que prendesse a mulher, da mesma forma que uma esfera de aço prende um condenado. "Fiz a peça para mostrar a pressão sofrida pela mulher em um mundo regido por valores masculinos", diz.
A Up ganhou prêmios e foi a estrela do Salão Internacional do Móvel de Milão em 1969. Desde então, Pesce – que tem seus protótipos reproduzidos por grandes fabricantes de móveis italianas como Vitra, B&B Italy e Knoll – é figura garantida na exposição. Na edição deste ano, trouxe de seu ateliê em Nova York, onde mora atualmente, um inusitado conjunto de poltronas que tem montanhas nevadas reproduzidas em seus encostos e cachoeiras impressas nos assentos.
As forças que impelem Pesce a criar são quase sempre abstratas, exceto quando ele trabalha sob encomenda. O arquiteto- artista gosta de dizer que a feminilidade é uma de suas grandes fontes de inspiração. "O masculino é sempre muito rígido e homogêneo", diz. "Prefiro a fluidez e a heterogeneidade das mulheres."
Dois exemplos da heterogeneidade que ele tanto admira podem ser conferidos em uma casa que ele fez para si próprio na Bahia, na praia de Itacimirim, localizada 50 quilômetros ao norte de Salvador, e uma agência de propaganda que projetou para a TBWA ChiatDay, em Nova York. Não há nada da sisudez modernista nos projetos – curiosamente, Pesce prefere dormir em um hotel quando visita sua casa de praia. Ele abusa das cores e dá um aspecto único, de trabalho feito à mão, a todas as peças que preenchem os ambientes.
"Gosto da ideia de reprodução industrial dos meus móveis, mas acredito que todos os objetos merecem ter alguma particularidade", afirma. Para ele, a repetição pura e simples passa o conceito de previsibilidade, algo incompatível com a realidade do nosso tempo, em que tudo é imprevisível. "O design é uma poderosa ferramenta de comunicação e esclarecimento nesse mundo cada vez mais complicado", teoriza.
Antes de concluir sua apresentação para um auditório lotado de convidados da Casa Cor, ele lembrou de um projeto que quer pôr em prática até 2014, quando terá 75 anos. "Vou criar uma Fundação para bancar os primeiros projetos de designers na Bahia", diz. Na sua opinião, o Brasil tem hoje o mesmo clima de fertilidade criativa que se viu nos Estados Unidos no final do anos 90. Gaetano Pesce continua um homem inquieto. Ainda bem.