28/01/2004 - 10:00
Poucas coisas irritam mais um chef de cozinha do que perguntar a ele as calorias de um prato ou sugerir a troca de algum ingrediente. Pedidos dessa ordem soam antipáticos para quem cuida de cada detalhe para garantir o equilíbrio de sabores à mesa. Mas alguns cozinheiros ilustres abriram uma exceção. Por uma causa nobre, é claro: provar que até as pessoas que já sofreram um infarto ou têm de restringir a dieta para preservar a saúde do coração podem usufruir dos prazeres de um cardápio requintado sem burlar as recomendações médicas. Reunidos em torno dessa idéia por iniciativa do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo (InCor), nove chefs famosos estabelecidos na cidade selecionaram seis receitas e deixaram que fossem avaliadas pela equipe de nutrição e dietética do hospital.
O resultado desse encontro está registrado no livro Os chefs do coração – receitas para brindar a vida (Ed. Atheneu), lançado na semana passada e à venda nas livrarias por R$ 97. São 60 pratos sofisticados e saudáveis assinados por Giovanni Bruno, Giancarlo Bolla, István Wessel, Laurent Suaudeau, Luciano Boseggia, Mário Tatini, Salvatore Loi, Marcelo Magaldi, Sílvio Lancellotti e também pelas nutricionistas do InCor. Entre eles, estão postas de peixe all’arrabiata, linguado ao vapor, assado de patinho de carne de búfalo, haddok alla zafferano, misto de legumes com shoyu e caju, salada de baby-lulas com tomates marinados, mousse de canela com figos assados, frango com limão e tomilho e filé com ameixas. O último capítulo é um guia de nutrição que ajuda a entender como deve ser a alimentação equilibrada e quais os seus benefícios para o organismo. Os chefs cederam seus direitos autorais à Fundação Zerbini, da qual o InCor faz parte.
Trocas – O momento mais delicado do encontro entre chefs, cardiologistas e nutricionistas foi justamente a adaptação das receitas para controlar a quantidade de gordura e calorias. “Alguns chefs trocaram itens, substituindo a manteiga por azeite extra virgem ou margarina. Mas outros preferiram reduzir a quantidade”, diz Mitsue Isosaki, diretora técnica do Serviço de Nutrição do Instituto do Coração. Houve cortes no sal, carnes mais gordas deram lugar a outras mais magras e apenas a versão light do creme de leite passou pelo crivo das nutricionistas. Fixou-se também um limite máximo de 800 calorias por refeição. “Estudos mostram que vive mais quem poupa o organismo do excesso de calorias”, explica o cardiologista José Ramires, diretor do InCor e um dos responsáveis pelo projeto. Outras pesquisas em andamento no instituto reforçam os benefícios da redução de gorduras para o organismo. “De duas a três horas depois da ingestão de comida rica em gordura, os vasos sanguíneos mostram certa dificuldade de relaxar e permanecem mais enrijecidos”, explica Ramires.
O livro demorou cinco anos para ficar pronto. E um dos ingredientes fundamentais para o final feliz dessa história foi o empenho do chef Giovanni Bruno, há 50 anos no ramo. O projeto nasceu da longa convivência de Giovanni com os especialistas do coração. Desde 1988, quando fez uma angioplastia (procedimento para dilatar as coronárias, artérias que irrigam o órgão), o chef frequenta o InCor. Dez anos mais tarde, colocou quatro safenas para corrigir a insuficiência das coronárias e evitar o enfarto. Desde então, faz exames de rotina, monitora o nível de gorduras no sangue (colesterol e triglicérides), medida importante para proteger as artérias. Nos períodos de internação, Giová, como é conhecido por três gerações de paulistanos, pedia às enfermeiras e nutricionistas para arranjar um pouco de limão, azeite, cebola e alho e retemperava a comida servida aos pacientes. Com o tempo, virou amigo da casa e passou a aproveitar as visitas ao InCor para meter-se na cozinha, dando sugestões para melhorar a apresentação dos pratos e também o tempero, como a introdução de manjericão e tomilho em algumas preparações. O livro também atende às suas próprias necessidades. “Aprendi que é preciso ser moderado à mesa. Hoje como uma fatia em vez do pão todo. E entendi que é possível fazer comida deliciosa com menos calorias e gorduras”, diz Bruno. Os amigos acataram a proposta. “Gostei muito do projeto. Nunca haviam calculado a quantidade de colesterol e calorias das minhas receitas. E, além disso, se é idéia do Giovanni, melhor fazer e pronto”, brinca o chef Giancarlo Bolla, que mandou receitas com influência franco-italiana, com ervas e frutos do mar. Ele dirige alguns endereços da melhor gastronomia paulistana, como o La Tambouille, Piano Forte e Leopoldo’s. “Com um pouco de imaginação, é fácil comer bem sem descuidar da saúde. O livro comprova isso com receitas gostosas”, garante o cardiologista Paulo Augusto Camargo Junior, organizador do livro e também cozinheiro.