28/01/2004 - 10:00
Foi um balde de água fria. A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, na quarta-feira 21, de manter a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, em 16,5% ao ano pegou todos de surpresa pelo conservadorismo e falta de habilidade do governo para aproveitar o primeiro mês de 2004 para sinalizar que melhores dias virão. A grande maioria dos analistas do mercado financeiro e empresários contava com uma redução de pelo menos 0,5 ponto porcentual. O próprio BC havia divulgado, na segunda-feira 19, pesquisa com especialistas da área financeira apontando essa tendência. A frustração foi geral, e a manutenção da taxa em 16,5% acabou interrompendo uma série de quedas iniciada há sete meses. A justificava, segundo comunicado do Copom, foi de preservar as conquistas recentes no combate à inflação e no processo de retomada da atividade econômica. Não convenceu ninguém e as reações foram raivosas: “Foi um erro”, reagiu a Fiesp, a federação que reúne as indústrias do Estado de São Paulo. “Faltou ousadia ao governo”, retrucou a Central Única dos Trabalhadores, a CUT. No mínimo, foi um erro de marketing. “Sou contra qualquer decisão política baseada em marketing”, diz o publicitário Washington Olivetto da W/Brasil. “Mas diria que uma pequena redução dos juros em janeiro, mesmo que fosse insignificante, faria bem ao marketing do governo.
Com a decisão – que pode mudar em fevereiro, quando o BC anuncia novamente a taxa de juros básica – a palavra-chave deixou de ser paciência. A população brasileira terá que recorrer a uma dose cavalar de tolerância para atravessar um ano com uma perspectiva de crescimento da economia medíocre de 3,5%. Isso significa duas coisas: que o Brasil vai crescer depois de um longo ciclo de letargia, mas significa também que a repercussão desse índice não vai alcançar o bolso do brasileiro. Vai demorar para que isso aconteça. Um crescimento de 3,5% gera 1,5 milhão de empregos novos, mais ou menos o número de pessoas que entram no mercado de trabalho. Tudo bem não fossem os outros dez milhões que estão na fila do desemprego há tempos.
Há controvérsias em relação à taxa de crescimento no ano, mais ainda agora com essa decisão surpreendente – até para o setor financeiro que se alimenta com juros – no primeiro mês do ano, que manteve o País na liderança dos países entre os que têm as maiores taxas de juros do mundo. “Eu diria que crescer 3% é o crescimento mais fácil do mundo, porque não crescemos há praticamente três anos”, diz o economista Julio Sergio Gomes, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Difícil é realizar a promessa do governo de ser este “o ano do emprego”. Marcelo Salomon, economista-chefe do Unibanco, explica que esse crescimento anunciado vai utilizar uma capacidade produtiva que se tornou ociosa por conta do ritmo “quase parando” da economia nos últimos anos. “O pequeno crescimento que aconteceu em 2003 foi praticamente sustentado pelas exportadoras”, ele diz. “Só que nenhuma empresa sai contratando de cara quando há uma mão-de-obra subutilizada.” O economista espera para 2004 uma taxa de crescimento da economia de 3,5% que traz como único dado positivo o fato de que não será lastreada pela agricultura, como aconteceu nos últimos anos, ocorrendo uma melhor distribuição entre indústria e serviços, sensíveis a taxas de juros mais baixas e que servem ao mercado doméstico. Salomon acredita que a taxa de juros básicos do País, a Selic, chegará ao final de 2004 em 13%. Segundo ele, o governo deve manter o ritmo lento das reduções, como aconteceu nesta semana. O único setor que se saiu bem com a decisão foi o financeiro: as ações dos principais bancos do País foram os únicos papéis negociados na quinta-feira 22 em alta porque o sistema bancário lucra com os títulos públicos.
Os juros são um enorme empecilho para o crescimento, segundo Claudio Vaz, diretor do departamento de pesquisa da Fiesp. O governo, de acordo com ele, precisa ter ousadia para reduzir com intensidade a taxa de juros. “Há condições para que essa redução aconteça”, ele diz, lembrando que em 2003 o dólar estava a R$ 4
(hoje está em R$ 2,84), o risco-país em 2.400 (hoje está na faixa dos 400 pontos), as empresas não conseguiam renovar seus créditos e ninguém pediu ousadia ao governo. Vaz diz que a economia precisa crescer 5% durante cinco anos para retomar o crescimento. “Crescer 3,5% é o mínimo dos mínimos”, diz ele.
Crescer 5% seria uma meta viável já neste ano, segundo o diretor executivo do Iedi, se a política monetária fosse conduzida nesta direção, reduzindo juros. “É isso basicamente o que vai definir a taxa de crescimento.” diz. Ele acredita que há uma base necessária para a economia crescer. Ou seja, o País tem capacidade para produzir mais, o consumo e o investimento estão reprimidos. Por conta disso, a maior corretora do mundo, a Merryl Lynch, prevê um crescimento do Produto Interno Bruto de 3,5%. No relatório Brazil: Top 10 questions for 2004, a corretora avalia que o governo foi bem-sucedido na condução da estabilidade econômica, considerando as pressões que herdou de 2002, e que o crescimento em 2004 virá com o consumo interno, puxado pela recuperação da renda e pela expansão do crédito. O relatório foi feito antes da decisão do BC, que segue na contramão da recuperação da renda e da expansão do crédito, além de baixar a bola do otimismo.
O professor Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fala exatamente sobre isso: “Estamos num miniciclo de otimismo, como houve em 1996”, ele diz. “É mais otimismo do que efetivamente um miniciclo de crescimento.” Seu raciocínio segue a linha de que, como o crescimento em 2003 foi nulo, qualquer coisa tem um impacto mais significativo. “Se olharmos a política macroeconômica vamos observar que todos os indicadores seguem uma política restritiva.” Por exemplo: se os gastos públicos, que são a locomotiva da economia brasileira, encolherem será uma decisão contraditória. “Outra coisa é a taxa de juros, que tudo indica vai continuar alta, mesmo chegando a 10%. É uma taxa muito alta, especialmente se levarmos em conta que a taxa média do lucro das 500 maiores empresas do Brasil foi de 4% nos últimos nove anos.”
Representantes de setores produtivos importantes como Paulo Saab, presidente da Eletros, que reúne 98% da produção de pequenos e grandes eletrodomésticos, também estrilaram com a decisão do BC,
que emperra o crescimento e põe em risco até o modesto índice de 3,5%, pouco diante do que se tem a recuperar. Mas, para o
professor e economista Luiz Gongaza Belluzo, recuperação é emprego e renda. O resto é o resto.