O Brasil terá acesso a um gigantesco fundo de 20 bilhões de euros da Comunidade Européia (CE) destinados a bancar, nos próximos três anos, a pesquisa e o desenvolvimento científicos da Europa e de outras nações parceiras. A chave que abrirá ao País o cofre bilionário é o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica firmado entre o Brasil e a CE na segunda-feira 19, em Brasília, pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e pelo comissário de Relações Exteriores europeu, o inglês Chris Patten. A importância do acordo levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a abrir espaço em sua agenda e receber Patten, que reafirmou o interesse europeu pelo estabelecimento da área de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Européia. O Brasil terá agora direito a trabalhar em conjunto com os europeus em nada menos que 13 áreas do conhecimento. O documento, que começou a ser estruturado em 2002, prevê trabalhos conjuntos entre Brasil e Europa, com os custos financeiros dos projetos comuns divididos entre as duas partes. Haverá livre trânsito entre pesquisadores e cientistas brasileiros e europeus e as duas partes terão direitos iguais de propriedade intelectual sobre tudo o que for desenvolvido. As áreas abrangidas são biotecnologia, tecnologia da informação e das comunicações, bioinformática, espaço, nanotecnologia, investigação de materiais, tecnologias limpas, gestão e uso sustentável dos recursos ambientais, biossegurança, saúde e medicina, aeronáutica, metrologia e ciências humanas.

Segundo Patten, o acordo é um passo importante para ampliar a cooperação entre o Brasil e a Europa, especialmente nas áreas de tecnologia de ponta, inserindo-se também no espírito das negociações econômicas e políticas entre a Comunidade Européia e o Mercosul, que estão em fase avançada. “Temos muito interesse no que acontece no Brasil e na liderança que o País representa no âmbito internacional”, afirmou Patten. Ele enfatizou que a Comunidade Européia pretende que o futuro acordo entre os dois blocos envolva uma cooperação política, econômica, científica, tecnológica e cultural. Patten também apresentou ao Brasil o projeto Galileo, a alternativa européia ao GPS, o sistema americano de localização orientado por satélites, enfatizando o caráter aberto e civil do sistema europeu. O chanceler Celso Amorim chama a atenção para o que chama de “efeito colateral” do acordo de cooperação: “Ao nos tornarmos parceiros dos europeus, além de desenvolvermos projetos comuns, teremos acesso, em um segundo momento, aos recursos do fundo de 20 bilhões de euros para investimento em pesquisa”, explicou.

O governo brasileiro ainda vai definir as regras para a escolha dos projetos e programas candidatos a receber o incentivo europeu. Os especialistas consideram que o Brasil teria condições de se candidatar a pelo menos 1% da verba, o que representaria 200 milhões de euros (cerca de R$ 680 milhões). “O orçamento deste ano destina R$ 600 milhões aos fundos setoriais de apoio à ciência e tecnologia. Se os recursos europeus chegarem mesmo ao valor estimado, dobrariam a verba disponível para a ciência no Brasil”, comenta, esperançoso, César Calegari, secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia. O comando da cooperação caberá ao Itamaraty e aos órgãos específicos da CE. Um comitê diretivo de cooperação científica e técnica, composto por especialistas brasileiros e europeus, será formado e ficará responsável, entre outras tarefas, pela escolha dos projetos e demais atividades específicas de cooperação. O acordo garante que o Brasil possa compartilhar com outros países os projetos desenvolvidos em conjunto com os europeus, a chamada cooperação trilateral. Isso permitirá que o Brasil trabalhe em conjunto com Índia, África do Sul
e os parceiros do Mercosul. Se tudo der certo, o acordo pode ser a alavanca para que a pesquisa e o desenvolvimento científico brasileiro dêem o salto de qualidade necessário para tirar o País da condição de nação em desenvolvimento.

Constelação civil

O monopólio dos Estados Unidos nos sistemas de monitoramento, posicionamento e localização globais via satélite (GPS) está com os dias contados. A Europa prepara para colocar em operação em 2008 o seu próprio sistema, composto por 30 satélites orbitando a Terra a 24 mil quilômetros de altitude. O modo de operação do Galileo é semelhante ao do GPS americano. Com um aparelho portátil, o usuário recebe o sinal simultâneo de pelo menos quatro satélites e obtém a localização precisa de um ponto no planeta. Os europeus oferecem vantagens significativas para atrair sócios para seu sistema. Primeiro, o Galileo é um projeto civil, desenvolvido e administrado pelos países associados. No GPS, quem controla tudo é o Pentágono, que comanda a máquina militar americana. Já os parceiros dos europeus participarão do desenvolvimento do projeto, que será aberto, e de seus eventuais lucros. A precisão será milimétrica.

Ao contrário do GPS, que recebe regulagens variadas de precisão, dependendo dos interesses militares dos EUA. Em tempos de guerra, o sinal americano chega a dar diferença de 200 metros na localização. Para Chris Patten, comissário de Relações Exteriores da Comunidade Européia, o Brasil reúne todas as condições tecnológicas, físicas e econômicas para se associar ao Galileo.

“Temos grande interesse no projeto”, afirmou o ministro da Defesa, José Viegas. A China já se associou ao Galileo e a Rússia iniciou negociações. A Europa também busca acordo com os EUA, o que permitiria que os dois sistemas operassem em conjunto. Patten contou que os americanos pediram que, nos EUA, o sinal dos satélites europeus não seja distribuído com a precisão absoluta para o resto do mundo. “Poderemos baixar nosso padrão para eles”, comentou o chanceler europeu, com uma ponta de ironia.