O mineiro Sebastião Fernandes, mais conhecido como Bigode, tem orgulho da guinada que deu na vida. Nascido em Belo Horizonte há meio século, ele começou a trabalhar na boléia de um caminhão, aos 18 anos. Circulando de um lado a outro do País, acabou se radicando na Amazônia, como madeireiro. Passou quase duas décadas derrubando árvores da mata. De três anos para cá, parou de devastar. “Agora virei artista”, diz. “Meu trabalho é respeitado e o pessoal do meio ambiente não me perturba.” O negócio de Bigode é transformar em móveis rústicos restos que recolhe em áreas de desmatamento. “Tudo aproveitamento, madeira que o fogo iria comer”, explica. Para completar, ele está faturando mais. Por dois metros cúbicos de madeira, entregues na serralheria, costumava receber R$ 160. Com menos trabalho e mais satisfação, ele ganha R$ 200 por uma mesinha de telefone, como a que usou para posar na fotografia da página ao lado. Atualmente, Bigode está envolvido na produção de 170 móveis similares, resultado de um contrato carimbado no último Equinócio, a rodada internacional dos setores de madeira, móveis e artesanato que movimenta Macapá (AP) todo final de ano. A encomenda foi feita por uma empresa de decoração de Caiena, a capital da Guiana Francesa.

No último Equinócio, que reuniu mais de 100 expositores, foram fechados um total de R$ 32 milhões em negócios. Criado há sete anos, o encontro, organizado pelo Sebrae, está consolidando um caminho alternativo para o comércio internacional. Ele parte do Amapá rumo ao Caribe, à Europa e aos Estados Unidos. Por causa da nova rota, o porto fluvial da região começa, aos poucos, a deixar de ser uma simples porta de saída para cavacos de madeira – matéria-prima para fazer a pasta de celulose. A tendência agora é “agregar valor” à madeira, como repetem os produtores a todo momento. Conhecido por fabricar poltronas e cadeiras em madeira e cipó, o moveleiro João Goulart Matos lembra que, bem trabalhada, a matéria-prima regional tem grande aceitação no Exterior. A posição geográfica também estimula o comércio internacional. “É mais fácil levar para Caiena do que para Fortaleza ou São Paulo”, diz João Goulart. “A gente entrega na cidade de Oiapoque, que fica na fronteira, e, de lá para a frente, o frete fica por conta do comprador.”

Para explicar o potencial consumidor da Guiana Francesa, o coordenador do Equinócio, José Carlos Molinos, lembra que o valor local do salário mínimo é de 700 euros, o equivalente a R$ 2.450. Junto com outros dois territórios franceses no Caribe – Guadalupe e Martinica –, a Guiana é responsável pela metade dos negócios concretizados na feira. É, na prática, parte da Comunidade Econômica Européia. Do lado de cá da fronteira, o Amapá abriga 27 assentamentos recentes, nos quais está autorizado o corte de 50% da área. “Incentivamos a utilização racional de uma madeira que, no passado recente, era queimada”, conta Molinos. “Trabalhamos também para desmistificar o processo de exportação, pois os pequenos produtores acreditavam que vender para o estrangeiro era privilégio dos grandes.”

Exportar é justamente a meta de Maria Aparecida Santos, a Cida, criadora de pequenos objetos em marchetaria, a arte de incrustação em madeira, formando mosaicos. Seu sócio e marido, Claudemir Santos, também não vê a hora de despachar parte da produção para o Exterior. Nem sempre foi assim. Até quatro anos atrás, o ateliê do casal, à beira do canal das Pedrinhas, centro madeireiro de Macapá, abrigava apenas a marcenaria de Claudemir. Era um espaço exclusivamente masculino, destinado a fazer portas e janelas convencionais. A cada tentativa de Cida de entrar no ramo, o marido, que cortara os dedos médio e indicador numa das serras da oficina, repetia: “Mulher sem dedo é muito feio.” Apesar do alerta, Cida tentava descobrir formas de aproveitar os resíduos de madeira que se amontoavam pelos cantos da marcenaria. Acertou em cheio ao começar a produzir caixinhas em marchetaria.

“No começo, Claudemir nem quis saber dos meus trabalhos”, conta Cida. Poucos meses depois, por causa da concorrência local, enquanto o marceneiro demorava para vender uma ou outra porta, sua mulher não dava conta das encomendas. “Quando viu que meus pequenos objetos davam dinheiro, ele mudou completamente”, diz Cida, dando risada. Mais contido, Claudemir reconhece que abandonou de vez a marcenaria convencional. Uma de suas primeiras providências foi adaptar o maquinário da oficina, criando prensas para trabalhar com segurança os filetes de madeiras de diferentes tonalidades, que, ajustados, formam peças multicoloridas. “Nossa capacidade atual é de três mil objetos por mês”, contabiliza Claudemir. Um dos destaques da produção do casal é a réplica em marchetaria do Marco Zero, o obelisco construído em Macapá que permite observar o equinócio, fenômeno que inspira o nome da rodada de negócios do Sebrae. Na versão original, o fenômeno acontece duas vezes por ano, quando a duração do dia e da noite são exatamente iguais. Pode ser observado na capital do Amapá porque ela é cortada pela linha imaginária do Equador.

No outro Equinócio, criado para expor a produção moveleira, um dos projetos que despertou mais interesse foi o de um chalé ecológico. “A construção leva pracuuba, cumaru, angelim-vermelho, maçaranduba”, diz José Orlando de Carvalho, relacionando madeiras da Amazônia. “Nos acabamentos usamos cipó cebolão e cobrimos com folhas de buçu, uma palmeira nativa.” Desde que herdou a marcenaria do pai, em 2000, Carvalho vem investindo na construção de casas de madeira, tendo feito até um curso na Alemanha. Recentemente, Carvalho associou-se ao empresário Carlos Araújo para produzir chalés pré-moldados
para exportação. “A aceitação está fantástica”, garante Araújo.  Outro com motivo para comemorar é Marcus Vinicius, representante da quarta geração de construtores de casas de madeira, do Paraná, que no Equinócio começou a negociar mais de 100 unidades para o empresário espanhol Javier Iglesias Gonzalez, do ramo hoteleiro. “É o terceiro ano que participo da rodada, atrás de bons contatos”, afirma Gonzales, suando em bicas. “Tirando o calor, aqui é perfeito.” Não é  à toa que construções arejadas como o chalé ecológico estão virando marca da região.