28/01/2004 - 10:00
Manhã chuvosa de inverno, em 1975. Um avião cruza a cordilheira dos Andes enquanto uma das passageiras começa a inventar um país. É a estratégia a que Isabel Allende se agarrou para deixar para trás uma terra real, mas sem lugar para ela. Na condição de prima de Salvador Allende – o presidente que se matou antes de ser morto pelo golpe militar liderado por Augusto Pinochet, em 1973 –, Isabel e toda a sua grande família tiveram de procurar outro rumo, outras raízes, outra vida. Ela se transformou numa forasteira profissional, morando em vários lugares e se especializando em partidas e rompimento de laços. É sobre esse tipo de existência que trata o livro Meu país inventado (Bertrand Brasil, 238 págs., R$ 31). O curioso, no entanto, é que, ao mesmo tempo que fala da sua vida, a autora descreve o Chile mais do que amado, nem por isso poupado. Ao contrário, Isabel critica impiedosamente o estilo chileno de ser – hipócrita, soberbo, digno, ridículo, bárbaro, hospitaleiro – sempre frisando se tratar do seu próprio DNA. O carrossel de lembranças começa a girar na sua cabeça quando o neto Alejandro faz uma prosaica observação. Ao ver a avó analisando as rugas num espelho, o pequeno diz: “Não se preocupe, você ainda vai viver pelo menos mais três anos.”
Não é a primeira vez que o Chile aparece com destaque na obra de Isabel Allende. Basta lembrar de
A casa dos espíritos, que virou filme de sucesso. Desta vez, porém, o país é a estrela principal. Hoje vivendo nos Estados Unidos, a autora não parece mais sofrer com seu destino de desterrada. O Chile passou a ser um país sem geografia, indefinido,
fora do plano real. Inventado. Entre descrições poéticas e tensas, Isabel fala sobre sua paixão pelo jornalismo, a morte da filha, o fim do primeiro casamento e a felicidade do segundo. É uma leitura agradável, instrutiva e bem-humorada. Nas entrelinhas, dá uma aula sobre superação de dificuldades, provando que a vida pode recomeçar sempre que se quiser.