28/01/2004 - 10:00
Nas batalhas, o determinado capitão Jack Aubrey se mostra tão forte quanto o mastro de madeira brasileira de seu navio, o HMS Surprise. Nos momentos de calmaria, ele toca Mozart ao lado de seu amigo, o naturalista e médico da tripulação Stephen Maturin. Eles são personagens criados e desenvolvidos ao longo de 20 romances escritos pelo inglês Patrick O’Brian (1914-2000), considerado por parte dos críticos literários um autor de minúcias proustianas, quando descreve o universo da marinha britânica durante as guerras napoleônicas. É baseado nos livros de O’Brian e, particularmente, na relação entre Aubrey e Maturin que o diretor australiano Peter Weir sustenta seu épico Mestre dos mares – o lado mais distante do mundo (Master and comander: the far side of the world, Estados Unidos, 2003), cuja estréia nacional acontece na sexta-feira 30.
Para interpretar a dupla de comportamentos antagônicos, Weir não poderia ter feito melhor escolha. Aubrey é papel do neozelandês Russell Crowe, um ator de talento proporcional à personalidade dominadora e aos arroubos de perfeccionismo. Maturin ganha vida nas telas devido à sutileza do inglês Paul Bettany, que já foi o amigo imaginário de Crowe em Uma mente brilhante e, no momento, está nos cinemas brasileiros em Dogville, vivendo o escritor Tom Edison. Navegador competentíssimo, grande estrategista de guerra e comandante que mistura austeridade, humor e justiça em doses absolutamente proporcionais, Aubrey também sabe muito bem colocar uma muralha de pedra entre ele e seu amigo quando se trata de exercer a autoridade e a determinação. Mesmo que não seja para o bem imediato de todos, mas que, ao final, o risco tenha se transformado em sucesso. Maturin, ao contrário, guarda a conduta centrada dos cientistas. Como naturalista, está mais interessado em suas pesquisas nas ilhas Galápagos do que nas emoções da guerra. Embora não negue bravura nos momentos cruciais, até quando é obrigado a retirar uma bala do próprio corpo.
Sobre esta plataforma de sentimentos desconexos, que acabam se misturando nos alicerces de uma amizade sólida, Weir criou nas telas
dois personagens cuja masculinidade nunca é questionada. São conversas de cúmplices, de gente que começa a enxergar as mudanças radicais na civilização em contrapartida à alegria rude dos marinheiros. Para balancear este universo em guerra de poder contra as tropas
de Napoleão – na verdade, mostrada numa única cena de batalha
corpo-a-corpo –, Weir praticamente centrou a ação no mar. Foram
seis meses de filmagens nas quais as imensidões oceânicas surgem na suavidade de dias de sol e na extrema aspereza das tormentas. Não espere grandes efeitos especiais. Eles existem. Mas o cineasta os
quis misturados de forma orgânica, que não se impusessem à realidade ansiada e descrita nos romances de O’Brian. Assim, Peter Weir desenhou um épico sem afetações.