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DESAFIO Aos 71 anos, Ferdinand Piëch controla um império de US$ 230 bilhões

Ele tem imensos olhos azuis, uma fortuna estimada em US$ 400 milhões, é simplesmente louco por automóveis e só agora, às vésperas de completar 71 anos, chegou de fato aonde queria: Ferdinand Piëch, herdeiro da família Porsche, é hoje o homem mais poderoso da indústria automotiva européia. O posto foi alcançado depois que ele concluiu uma ousada operação em que sua pequenina – porém lucrativa – montadora de carros de luxo, a Porsche, reverteu as lógicas do mercado e comprou o controle acionário da gigante Volkswagen, um negócio cujo valor não foi mencionado. O preço, no entanto, era o de menos para Piëch. Conhecido como Homem de Gelo, sua ambição de controlar a quarta maior montadora mundial – e de longe, a primeira na Europa – era conhecida publicamente e motivada por uma antiga história familiar: foi o seu tio-avô Ferdinand Porsche quem projetou o primei- PIECH ro Fusca para a Volkswagen, em 1930, a pedido de Adolf Hitler. E mais. Foi com o dinheiro gerado com os royalties do carrinho popular que o velho Ferdinand pôde construir sua rentável fábrica de automóveis. Agora, graças ao herdeiro, Porsche e Volkswagen são, enfim, uma só empresa.

A operação, no entanto, não foi fácil e deu a Ferdinand Piëch a possibilidade de trabalhar algumas das características que mais o agradam, como capacidade política, astúcia estratégica e até uma certa dose de manipulação. Os capítulos mais recentes dessa história datam de 1993, quando o herdeiro da Porsche assumiu, como executivo, o comando mundial da Volkswagen. Sua gestão foi uma revolução para a tradicional montadora alemã. Sob seu comando, custos foram cortados, executivos demitidos e a linha de produtos foi renovada. Um símbolo é o New Beetle, a versão moderna do Fusquinha. O prejuízo que assolava a companhia se transformou em lucro de 5 bilhões de euros. Os reflexos chegaram ao Brasil. Piëch mandou para cá o também austríaco Herbert Demmel com a ordem de “limpar a companhia”, que acabava de ver a união com a Ford na Autolatina fracassar. Quando deixou a presidência, Piëch passou a compor o Conselho de Supervisão da Volkswagen e focou no objetivo de comprar a companhia. Trabalhou nos bastidores para derrubar seus inimigos, como o CEO Bernd Pischetsrieder e o seu sucessor e homem de confiança, Wolfgang Bernhard. Paralelamente, foi ao mercado em busca dos papéis VW. No ano passado, a Porsche se tornou a maior acionista individual da montadora, com 31% das ações. O presidente da Porsche, Wendelin Wiedeking, chegou a afirmar que a temporada de aquisições estava encerrada e que eles tinham chegado ao limite máximo de seu interesse na VW. Ledo engano.

Na semana passada o auspicioso Piëch deu mais uma cartada. Ao comprar o controle acionário da Volkswagen, colocou as mãos em um império automotivo avaliado em US$ 230 bilhões, que, além da VW, ainda tem as marcas Audi, Lamborghini, Seat Skoda, Bentley, Bugatti, a fabricante de caminhões MAN (restrita a uma participação de 29,9%) e a recém-adquirida Scania. Como se vê, Ferdinand Piëch detém em suas mãos importantes marcas de todos os segmentos da indústria automotiva mundial. Com isso, tem tecnologia, volume e caixa para brigar em pé de igualdade com qualquer concorrente e, de quebra, ainda se tornou um herói alemão. Explica-se: hoje vigora na Alemanha a Lei Volkswagen, um dispositivo federal que limita os direitos de voto dos acionistas em 20%, mesmo que sua participação acionária seja maior. Isso foi feito para que nenhum sócio tenha mais poder do que o Estado da Baixa Saxônia, dono de 21% da empresa. Mas esta lei é contestada pela União Européia. Se ela cair, a maior empresa alemã poderia passar para mãos estrangeiras, idéia rechaçada pelo governo e pela população. Agora este risco não existe mais. Graças a Piëch.