Ganhar na loteria, arrumar um namorado, tomar uma cerveja gelada. A felicidade pode estar em muitas coisas. Cada pessoa a vê de um modo diferente. Mas a sua incessante busca é o combustível de todos. Quem não quer ser feliz? No século IV a.C., o filósofo Aristóteles já anunciava, no livro Ética a Nicomaco, que a felicidade é a maior meta do homem. Esqueceu-se, porém, de ensinar os meios para alcançá-la. E, até hoje, cientistas, psicólogos e poetas se arriscam a apresentar suas receitas. Até um economista, o mineiro Eduardo Giannetti, deu sua contribuição no livro Felicidade (Cia. das Letras), no qual critica as sociedades que insistem em atrelar o tema à aquisição de bens de consumo. Somam-se a ele o recém-lançado A felicidade é aqui (Rocco), do psicanalista carioca Luiz Alberto Py, e o científico A fórmula da felicidade (Sextante), escrito pelo jornalista alemão Stefan Klein, com lançamento previsto ainda para este ano.

Consultor da Rede Globo nas primeiras edições de Big Brother, Py considera a felicidade um estado interior. “Somos felizes quando valorizamos o que temos em vez de sofrermos com o que não temos”, resume. O psicanalista acredita que os bons sentimentos devem ser privilegiados, treinados e fortalecidos, como acontece com os músculos durante a malhação. Ressalta o poder da solidariedade – que provoca bem-estar em quem age pensando no outro – e deixa claro que a felicidade não depende de fatores externos. Cita como ferramentas o despojamento, o desenvolvimento da espiritualidade, a auto-estima e a superação de infortúnios. “Mais importante é saber usufruir o tempo que temos para viver”, esclarece. Ele faz questão de diferenciar a efêmera alegria do Carnaval. “É uma festa em que as pessoas adiam os problemas para a Quarta-Feira de Cinzas. Sentem prazer, alegria, mas não exatamente felicidade”, analisa.

As diferenças entre felicidade e sentimentos passageiros como alegria, euforia e prazer rendem intenso debate. Ganhar dinheiro, receber um presente ou uma nota alta na escola e mesmo se esbaldar no Carnaval traz, normalmente, alegria. No entanto, participar da maior festa popular brasileira também pode ser motivo de felicidade. A bela Luma de Oliveira, 39 anos, dá tanta importância à ocasião que chega a encarar o ano como um intervalo entre um Carnaval e outro. À frente da bateria da Mocidade Independente, Luma acredita que este bem tão cobiçado pode estar em pequenos atos do dia-a-dia, como assistir a desenhos com os filhos, mas também na Marquês de Sapucaí. “A felicidade que sinto com meus filhos é quieta, plena. No Carnaval, é uma explosão”, distingue. E não é preciso ter a invejável silhueta de Luma para sentir o mesmo. Aos 84 anos, a sambista Maria das Dores, conhecida como Dodô da Portela, desbancou a apresentadora Adriane Galisteu e, com um vestido bem comportado, puxará a bateria da escola em fevereiro. Passista desde os 15 anos, duvidou da notícia. “Consultei meus santos, me belisquei e só acreditei quando recebi a faixa”, conta.

A felicidade de Dodô é a linha de chegada em uma corrida que começou há 70 anos. Mais do que gingar ou receber aplausos, o que deixa a passista feliz é ver realizado um sonho cevado por sete décadas. Se a alegria é fruto de um momento específico de intenso prazer, a felicidade deve ser compreendida como um sentimento intermitente, de realização. Aos eternos insatisfeitos, que valorizam mais o ter do que o ser, resta um rosário de lamentações. “As pessoas se colocam num patamar muito elevado e reclamam. Adotam muito o ‘se’: ‘Se eu tivesse chegado no horário, teria sido o primeiro no vestibular’ ou: ‘Se ganhasse mais, teria mais conforto’”, diz o psicanalista Jorge Forbes, autor de Você quer o que deseja? (Ed.. Best Seller). “A reclamação é sempre narcísica. É normal querermos comprar e fazer tudo, mas, como isso é impossível, alguns ficam mal-humorados”, completa.

Se fosse medir sua felicidade com base no que gostaria de ter, o carioca Lúcio Baptista dos Santos, 44 anos, dificilmente abriria sorrisos tão grandes. Ele sempre teve de batalhar muito para sobreviver com dignidade. Já foi torneiro mecânico, vendedor de manga e, desde o ano passado, trabalha como motorista em uma concessionária de veículos. Negro e baixinho, quando um cliente pergunta pelo telefone qual a sua aparência antes de ir pegar um carro, costuma responder com humor: “Tenho 1,80 m, sou louro de olhos azuis”, e se diverte com a reação da pessoa quando o encontra. Se o salário fica curto, pega sua carroça de doces e vai para a rua. “Se o stress bate, vou dançar. Tenho algumas clientes e cobro R$ 1 por música”, orgulha-se.

Atitudes como a de Lúcio garantem a continuidade da imagem do Brasil como uma terra de pessoas alegres e festivas, apesar das adversidades. “Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”, já dizia o escritor Oswald de Andrade em Manifesto antropofágico. O antropólogo carioca Roberto da Matta lembra que esse estereótipo vem dos tempos da colônia, sobretudo no Rio de Janeiro, que recebeu a família imperial como se fosse uma África submissa, com escravos que não se rebelavam. O modelo se consolidou no pós-guerra, quando americanos e europeus se encantaram com o harmonioso convívio étnico brasileiro e puderam admirar a alegria desvencilhada do progresso científico ou do desenvolvimento tecnológico. “No século XVIII, os iluministas defendiam que a felicidade viria com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia”, ensina o antropólogo. O iluminismo foi um movimento cultural europeu fundamentado na exaltação da razão, único meio pelo qual o homem poderia entender o universo e aperfeiçoar a própria condição. “O brasileiro sabe ser feliz sem essas coisas. Felicidade aqui é fazer gol, conquistar uma mulher, participar de uma procissão e, claro, viver a malandragem do carnaval”, destaca.

Em muitos países, no entanto, impera a crença iluminista. Isso pode
ser percebido no ranking mundial da felicidade feito em 2002 pela revista trimestral francesa Globeco, dedicada a discutir a globalização. Foram listados 60 países (80% da população mundial), classificados a partir de uma curiosa combinação de indicadores tão distintos quanto renda per capita, criminalidade, produção de livros e discos, catástrofes naturais e taxa de gás carbônico no ar. O estudo, dirigido pelo francês Pierre Le Roy, alçou a Suécia à liderança, seguida por Noruega, Finlândia, Islândia e Austrália.

Depois de morar cinco anos em Santos (SP), a norueguesa Clara Karoliussen, 31 anos, voltou para a cidade de Trondheim, a 600 quilômetros de Oslo, com um marido brasileiro. Por ela, ficaria no Brasil, onde, garante, era mais feliz. Com três filhos, Clara tenta explicar o abismo que separa as duas culturas. “A felicidade para o norueguês é segurança. Ele pensa no futuro e não curte o presente. A felicidade tem que ser merecida, uma conquista árdua. Mas, como quase tudo lhe é dado de mão beijada – educação, saúde etc. –, raramente sente o prazer dessa conquista”, diz. Segundo ela, os brasileiros têm uma atitude mais parecida com a da criança, que consegue ser feliz hoje, mesmo sem saber do amanhã. “Os brasileiros vivem uma alegria espontânea. E, por sofrerem tanto, sabem quando algo deve ser comemorado”, acredita.

Como cita Clara, o sentimento de que tudo  vem de mão beijada, a consequente falta de estímulos e a exacerbação da individualidade são elementos importantes para se compreender o alto índice de suicídio apresentado na Noruega e, talvez, em todos os países selecionados como os mais felizes do mundo. Na Suécia, por exemplo, a cada 100 mil habitantes, 15 dão cabo da própria vida. Na Noruega e na Finlândia, segundo e terceiro colocados no ranking da felicidade, são 18 e 29 suicidas a cada 100 mil habitantes, respectivamente. Já o Brasil, com tantas mazelas, está em 71º lugar nas estatísticas mundiais de suicídio, conforme explica o psiquiatra Neury José Botega, professor da Unicamp (Universidade de Campinas). “Não há números exatos porque nem todas essas mortes são notificadas. De qualquer modo, temos quatro a cada 100 mil habitantes no Brasil. Na Hungria, são quase 40”, compara Botega, autor do livro Comportamento suicida (Artes Médicas), com lançamento previsto para abril.