A metralhadora verbal de Paul O’Neill, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, parece ter sido posta fora de combate em dezembro de 2002. Depois de 23 meses alvejando de ângulos canhestros, o atirador foi bombardeado pela Casa Branca, que defenestrou sem cerimônia este seu equivalente a ministro da Fazenda. Parecia que ele seria lembrado apenas como o ex-presidente da multinacional Alcoa, com passagem curta pelo comando da maior economia do mundo. Mas, como numa fita de Rambo, o personagem não morre assim tão facilmente. O’Neill ressurge agora com uma metranca rodando 360 graus e atingindo os intestinos do governo de George W. Bush. Em The price of loyalty: George W. Bush, the White House and the education of Paul O´Neill (O preço da lealdade: George W. Bush, a Casa Branca e a educação), lançado na semana passada, em co-autoria com o jornalista Ron Suskind, o velho desbocado se supera. Manda bala na política fiscal de seu ex-chefe, diz que o tarifaço sobre a importação de aço de 2002 foi forjado nas fornalhas da politicalha eleitoreira da administração republicana e que a invasão do Iraque e a vingança contra Saddam Hussein estavam na mira de Bush desde antes dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Para quem não está conseguindo ligar o nome à pessoa, lembre-se: foi O’Neill quem, pouco antes de viagem a países do Cone Sul, descarregou carga pesada afirmando que não fazia sentido dar ajuda internacional aos países da região porque a bufunfa terminaria em contas na Suíça. Isso dito quando a economia portenha estava já atolada na pior zona do lamaçal e os brasileiros seguiam a mesma rota. Em pouco tempo, O’Neill estava estirado no altar dos sacrifícios de Washington. Houve quem, em áreas subtropicais, achasse que o paredón para Paul fora consequência direta de seus petardos em território subequatorial. No livro de agora, mostra-se que tal suposição é pretensão. Paul O’Neill perdeu o emprego porque era contra a política fiscal americana, achava que o déficit orçamentário levaria o país à ruína e, num exemplo de boa observação, acredita, em retrospectiva, que seu ex-chefe é um limítrofe, sem curiosidade e incapaz de envolvimento em problemas nacionais. Ah!, segundo o autor deste best-seller, quem usa calças na Casa Branca é mesmo o vice-presidente Dick Cheney.

Cheney, que acompanhou O’Neill durante os governos de Richard Nixon e Gerald Ford, sai caracterizado na obra como uma espécie de dr. Evil – só que mais gordo, com menos carisma e mais conservador. Foi em busca do apoio do ex-colega da Casa Branca que o secretário do Tesouro foi em 2002 pedir para mudar os rumos da política tributária de Bush, que cortava impostos, principalmente dos estratos mais abonados da sociedade. Dizia, com razão, que este era o rumo certo para se acumular perigoso déficit orçamentário. O vice-presidente o encarou sem demonstrar nenhuma emoção e no final rebateu: “Reagan provou que déficits não importam. Nós ganhamos as eleições legislativas de meio de mandato. Essa é nossa dívida.” O’Neill entendeu que falava para ouvidos moucos. Tanto que, na única frase que ele agora diz ter se arrependido de publicar, definiu o presidente e seu secretariado como “um homem cego numa sala cheia de pessoas surdas”. A cegueira não parece, porém, o mal que aflige Bush. Sua falta de curiosidade sobre as questões que lhe apresentam e a deficiência de atenção – desordem mental com a qual ele foi diagnosticado ainda quando jovem – são características mais notadas, de acordo com o livro. O ex-secretário conta que, em seu primeiro encontro com o presidente no Salão Oval, o texano Bush, com uma miríade de problemas econômicos a tratar, só queria saber onde estava o hambúrguer que havia pedido.

Transparece nas recordações que as decisões importantes desse
governo americano são tomadas por um pequeno círculo de ideólogos hiperconservadores e marketeiros políticos para quem somente a reeleição de W. Bush conta. Um exemplo disso foi a decisão, em
11 de fevereiro de 2002, de sobretaxar os produtos siderúgicos importados em cotas entre 15% e 95%. A jogada, combatida por
O’Neill, visava agradar o eleitorado dos Estados produtores de aço:
West Virgínia, Pensilvânia, Ohio e Michigan. O Partido Republicano
ganhou as eleições de novembro nesses locais. O Brasil, por exemplo, com a medida perdeu cerca de US$ 100 milhões.

Mas a verdadeira bomba disparada por O’Neill no livro é a de que

desde logo após a posse de W. Bush já se traçavam os planos para a eliminação de Saddam Hussein. A invasão do Iraque estaria na cabeça do governo bem antes dos atentados de 11 de setembro. E, pelo que Paul O’Neill viu nas reuniões do Conselho de Segurança Nacional, não havia quaisquer provas concretas de que os iraquianos tivessem estoques de armas de destruição em massa ou representassem perigo iminente na região. Da Casa Branca partiu a justificativa de que Paul O’Neill não

sabia de todos os detalhes de inteligência colhidos no Iraque. A emenda, vê-se, sai pior do que o soneto. Significa que o secretário do Tesouro dos Estados Unidos não estava por dentro de uma operação de guerra que atingiria dramaticamente a economia do país e do resto do mundo. Quem estava no comando econômico? O livro de Paul O’Neill demonstra que não era W. Bush.