21/01/2004 - 10:00
O ex-seminarista e historiador católico John Cornwell ficou famoso pela polêmica criada com a publicação de seu livro O papa de Hitler. Autorizado pelo Vaticano, ele teve acesso aos arquivos secretos da Santa Sé para realizar suas pesquisas acerca das relações do cardeal Eugenio Pacelli, depois papa Pio XII (1939-1958), com o III Reich. Para sua surpresa, o que encontrou nos documentos fazia justiça à fama de que o Sumo Pontífice, no mínimo, se calou sobre o genocídio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Agora, Cornwell assesta suas baterias contra a comunidade científica alemã sob o nazismo. Em Os cientistas de Hitler (Editora Imago, 438 págs., R$ 60) o historiador mostra o dilema faustiano colocado pelo III Reich aos cientistas: a idéia de neutralidade da ciência justifica a colaboração da comunidade acadêmica com um regime totalitário e abertamente genocida?
Adolf Hitler tinha uma concepção peculiar de ciência. Ele achava que certas disciplinas, como a matemática, a química e a física, estavam contaminadas pela “filosofia judaica” e, portanto, tinham que ser banidas. Essa aversão do Führer pelas disciplinas científicas modernas – atenuada depois com as crescentes necessidades bélicas – fez com que, a partir de sua ascensão ao poder, em 1933, o III Reich tentasse criar uma “ciência nazista”, à qual aderiu grande parte da comunidade científica da Alemanha, depois da expulsão dos acadêmicos judeus do país. Quando Max Planck (Nobel de Física de 1918) procurou Hitler para defender a manutenção de alguns competentes cientistas judeus na Alemanha, este lhe respondeu, “se a ciência não pode passar sem judeus, teremos que nos haver sem a ciência por alguns anos”.
O livro também aborda a delicada questão das empresas nascidas na época, alimentando-se do nazismo, e que, hoje em dia, continuam sendo grandes potentados. Entre elas destaca-se a IG Farben, que abrigou vários cientistas pró-Hitler em seus quadros de funcionários, e se destacaria pela fabricação do gás Zyklon B, usado nas câmaras de gás. A Bayer, a Basf, a Agfa, a Hoechst e a Zeiss, entre outros nomes, surgiram e se consolidaram nesse período. Fritz Krupp (das indústrias de aço Krupp) foi um dos nomes fortemente ligados à mais repugnante idéia do III Reich: a purificação da raça ariana, cujo legado mais trágico foi o extermínio de seis milhões de judeus durante a guerra. Cornwell também nos mostra como os aliados deixaram de julgar cientistas nazistas em Nuremberg para utilizá-los em programas militares – como Werner von Braun, um dos pais do programa espacial da Nasa.
Sob o III Reich, com poucas exceções – a mais notável foi Albert
Einstein –, a maioria dos cientistas adotou a conveniência e obediência, quando não tomou a dianteira na promoção de políticas racistas. “A conduta dos intelectuais alemães – como grupo – não foi melhor do que a de uma ralé”, afirmou Einstein. Ao buscar o sentido da ética dos cientistas sob o nazismo, Cornwell toca na questão da responsabilidade do cientista perante a sociedade. Pois, ao contrário do que supõe uma certa ilusão liberal, a ciência não reafirma, necessariamente, os valores da democracia. “O perigo é que os cientistas abdiquem das responsabilidades supondo que seus governos democraticamente eleitos sempre sabem o que é melhor”, escreve. A grande discussão deste livro é a responsabilidade ética e social dos cientistas de hoje: nas palavras do autor, numa época de clonagem, de luta contra o terrorismo, de armas de destruição em massa, irão os cientistas se comportar como se comportaram os simpatizantes do regime de Hitler? Ou estarão preparados para questionar, sondar, denunciar e criticar a ciência dominada por militares e pelas grandes corporações?