21/01/2004 - 10:00
Caetano Veloso, na excelente letra de Americanos, diz com propriedade que nos Estados Unidos “branco é branco, preto é preto e a mulata
não é a tal”. O Brasil é um país onde o preconceito e a discriminação existem, mas – quase sempre – são velados. Afinal, aqui impera uma saudável mistura e – quase sempre – uma convivência relativamente pacífica. Lá, é guerra. Pau e pedra. Os caminhos da afirmação racial passaram pelo conflito. Diferentemente do Brasil, onde tudo evolui muito devagar. E a “índole pacífica” não permite grandes enfrentamentos. Séculos de escravidão e miséria jogaram os negros no alto das favelas e no fundo das cozinhas. Chegar à Casa Grande pela porta da frente não é só uma questão de trabalho. É preciso igualdade de oportunidades. E muita ação afirmativa.
Nada vai mudar de concreto para a grande maioria da população negra quando o casal Taís Araújo e Jonathan Haagensen estiver protagonizando mais um triângulo amoroso na próxima novela das sete. É tudo uma questão simbólica. Há pouco mais de 30 anos, Sérgio Cardoso foi pintado de preto para viver o Pai Tomás, “um negro de alma branca”, no mesmo horário global.
Quando a publicidade descobre que negros são consumidores e que se sentem alijados do país nórdico exibido em telinhas e telões, é um grande avanço. Mostrar pretos e pretas comprando carrões, dando aulas em universidades, desfilando garbosos e orgulhosos em passarelas e ocupando lugares de destaque no governo e nas empresas é muito mais que confirmar a tese batida da “democracia racial”. Tudo isso serve de auto-estima para as novas gerações. Crianças negras – que acreditam que a cor de sua pele está associada a trabalhos pesados e à violência ou, no máximo, à música e ao futebol – mudam de opinião. Passam a achar que há saída.
Como outros problemas seculares, a discriminação racial tem base econômica. É preciso distribuir renda, criar boas oportunidades de emprego, uma educação de qualidade. Para todos, mas, principalmente, para os negros. O resto vai se ajeitando. Felizmente no Brasil, cada vez mais o talento não é definido por uma questão de pigmentação. Tanto pode ser Taís Araújo quanto Letícia Spiller – ambas presentes nesta edição e belamente fotografadas por Ricardo Velasco.