O desempregado é um mestre na utilização da engenharia financeira, instrumento que pode servir para o bem ou para o mal, dependendo do objetivo de quem o utiliza. Nas grandes empresas tem-se visto a engenharia financeira como fachada para corrupção. O desempregado, não. Ele a usa com maestria para o bem, ou melhor, para sobreviver. Tira o dinheiro daqui, põe ali, faz uma dívida para pagar outra, entra no supermercado sabendo que não vai levar a “mistura” (carne de vaca, de frango e peixe), troca a casa alugada por outra alugada mais barata. Faz milagres. Um trabalho da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS) da Prefeitura de São Paulo retrata essa realidade através de um perfil das mudanças impostas à vida do trabalhador e de sua família pela perda do emprego. São Paulo, a mais rica capital do País, tem uma taxa média de desemprego de 18,2%, chegando a 16,7% entre os homens e 19,9% entre as mulheres, segundo a Pesquisa Emprego Desemprego/Dieese-Seade de novembro de 2003. O objetivo do levantamento inédito não foram os números, mas responder perguntas como quem são esses cidadãos, como vivem, quais gastos que cortam quando perdem o emprego, de que maneira a perda do emprego afeta seu padrão e qualidade de vida. A equipe da secretaria ouviu uma mostra aleatória de 402 pessoas na situação de desemprego.

O levantamento aponta que o desemprego na cidade afeta de maneira importante a vida das pessoas, já que praticamente um de cada dois desempregados é o responsável pela família (46,5%). Com isso, dois terços dos desempregados sofreram uma redução de 50% ou mais da renda familiar ao perderem o emprego. Quase três em cada 100 famílias passaram a sobreviver sem nenhuma renda própria quando o responsável ficou desempregado. Dos entrevistados, 81,3% disseram estar desempregados há mais de seis meses.

O primeiro sacrifício que ele se impõe (e a seus familiares) é acabar com o lazer. Cinema, jogo de futebol, viagens e restaurantes nem pensar. Em seguida cortam-se os gastos com roupas e calçados (65% dos entrevistados). Na locomoção pela cidade, o terceiro item reduzido ou cortado do orçamento (65%), observa-se o aumento das pessoas andando a pé. Quem tem carro deixa na garagem. Quem não tem, quando dá, vai a pé mesmo, usando cada vez menos ônibus, metrô e trens.

Estudar outro idioma nem pensar. No total da amostra, 55% tiraram seus filhos de cursos extracurriculares, inclusive cursos de inglês e informática, tidos como “fundamentais”. Quem consegue vaga em escola pública não pensa duas vezes. Quem não consegue muda para uma escola mais barata. À medida que aperta o cinto, o desempregado corta até os gastos com saúde e alimentação. Os chamados supérfluos foram cortados ou reduzidos por 100% dos entrevistados. Só arroz e feijão escaparam praticamente ilesos de cortes: apenas 5% reduziram as compras. No contexto geral, o último item a ser cortado é o gasto com educação.