21/01/2004 - 10:00
Os seis mil funcionários da Parmalat no Brasil estão surpresos e apreensivos, com medo de perder o emprego. A cúpula da subsidiária brasileira, que teria ido à Itália nos últimos dias, pode estar menos apreensiva, mas padece igualmente do impacto da surpresa.
Há quem garanta lá dentro que todos foram pegos sem guarda-chuva pelo temporal italiano. A notícia do escândalo com o fundador do grupo, Calisto Tanzi, provocou uma enorme onda de medo. Medo dos funcionários, que passam longe da corrupção e da cúpula e se orgulhavam de trabalhar numa empresa “tão sólida”, mais de 35 mil pessoas espalhadas pelos cinco continentes.
Na Itália, onde a Parmalat é tão importante quanto a Coca-Cola nos Estados Unidos, o sentimento é de que alguma coisa precisa ser
feita para salvar a empresa, dona de um faturamento de 7,5 bilhões de euros (e de seis bilhões de euros em dívidas). O próprio ministro italiano da Agricultura, Giovanni Alemanno – que já constatou que a crise terá um impacto de 11 bilhões de euros na economia do país
– diz que a preocupação do governo é que as operações da empresa sejam transferidas a empresários locais, ou seja, italianos. Aqui, diz
uma pessoa familiarizada com o caso, se trata de continuar com o plano de reestrutução iniciado no ano passado e salvar o “braço são” de um corpo contaminado.
Segundo informações da empresa, as 120 demissões na semana passada na unidade de processamento de leite em Goiás já estavam previstas como parte do plano de reestruração. Há dois anos, a empresa registra prejuízos no Brasil – R$ 79,9 milhões até setembro de 2003; e R$ 174,8 milhões em 2002 – e é para acabar com esse ciclo que a subsidiária trabalha – o mais desvinculada possível do quiproquó italiano, um escândalo contábil da matriz avaliado em números os mais variados,
US$ 2 bilhões, US$ 20 bilhões, US$ 30 bilhões e por aí vai. Ninguém discorda de que a ação de Tanzi foi acobertada por uma quadrilha da própria Parmalat – à qual ele chefiava –, de pelo menos 20 integrantes. “É uma falcatrua que se desenrolou ao longo de mais ou menos 15 anos e foi realizada da maneira mais primária”, diz um funcionário da empresa. E com pessoas da pior espécie, como o ex-diretor financeiro Fausto Tonna (preso), braço direito de Tanzi (transferido da prisão para um hospital), que acusa seu ex-amigo e patrão de embolsar o dinheiro dos descontos concedidos pela sueca Tetra Pack, que no Brasil teria suspendido novos contratos de fornecimento de embalagem com a empresa, forçando a concessão de férias coletivas aos 423 funcionários de Jundiaí.
Segundo Tonna – aquele que há poucos dias desejou aos jornalistas
que faziam a cobertura de sua prisão uma morte lenta e sofrida –, os pagamentos eram contabilizados pelo valor total e o manda-chuva embolsava a diferença. O mais insólito é que Tonna já deu aulas sobre transparência empresarial, assunto que definitivamente não é a sua especialidade. É ou não é um impostor? Tem tudo para ser. Ele e sua bela mulher, Donatella Alivoni, em prisão domiciliar, acusada de lavagem de pelo menos um milhão de euros.
No final deste mês, as principais perguntas desse escândalo que todos os dias traz uma nova revelação escabrosa deverão ser respondidas por uma investigação que o governo italiano faz neste momento. Executivos do Citigroup, Bank of America e Deutsche Bank, entre outros vários bancos, também estão sendo investigados sobre a possibilidade de terem desempenhado algum papel no sumiço de dez bilhões de euros da contabilidade da Parmalat.
É um buraco sem fim, incompreensível para os pequenos produtores de leite brasileiros que comem e dormem com o dinheiro que recebiam da Parmalat. Entre eles, os da região de Itaperuna, no noroeste do Estado do Rio de Janeiro, que há 40 anos só trabalham para a empresa que hoje é a Parmalat, que até dois anos atrás era o Leite Glória, comprado pelo grupo italiano. Eles produzem para a Cooperativa Agropecuária de Itaperuna (Capil), que repassa o leite para a Parmalat. “Os pequenos produtores continuam entregando o leite e esperando que se cumpra a promessa do pagamento, que não é feito desde a segunda quinzena de novembro, diz o assessor da presidência da Capil, Alessandre Seródio. A Parmalat cumpriu, Na sexta-feira 16, anunciou que estaria pagando R$ 25,4 milhões para as cooperativas. Também anunciou que continua negociando com os fornecedores que formaram um comitê negociador e contrataram a KPMG para fazer uma auditoria na contabilidade da empresa.
No Rio, Rodolfo Tavares, presidente da Federação da Agricultura
no Estado, acompanhou tudo apreensivo diante da situação que
pode se tornar calamitosa. “Há muita pressão”, ele disse, lembrando
que o Estado tem 11 cooperativas no total e 14 mil associados.
“A situação é de comoção muito grave.” Pessoas que transitam
pela cúpula da empresa diziam na quinta-feira 15 que o prazo seria cumprido. Seródio temia a ocorrência de uma explosão social. E aí,
diz um pequeno produtor de Itaperuna, a vaca vai para o brejo mesmo.
O que poderá ser evitado com uma ação do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, que pediu ao presidente
da Nestlé no Brasil, Ivan Zurita, que auxilie o governo a minimizar os impactos da crise da Parmalat para os produtores de leite. “Nós nos sentimos na obrigação de responder à solicitação do ministro e tratar
de minimizar os efeitos da crise da Parmalat”, disse Zurita. Na próxima semana, os dois voltam a se encontrar.