A abertura do mercado brasileiro trouxe benefícios para o País e acirrou a concorrência, especialmente entre as multinacionais e empresas que controlam antigas estatais. Por outro lado, fez surgir o medo da espionagem industrial e obrigou as grandes companhias que detêm tecnologia sofisticada a adotarem medidas de proteção muitas vezes extremas. Isso porque o trabalho dos espiões tecnológicos é descobrir segredos e obter informações valiosas sobre os principais – e mais lucrativos – produtos das empresas ou de instituições militares. Pode ser desde aviões, radares e sistemas de armas até refrigerantes e iogurtes. “A briga constante entre a suíça Nestlé, a francesa Danone, a brasileira Itambé e a italiana Parmalat é um exemplo de concorrência que pode acabar estimulando a espionagem”, diz Orlando Castro, um consultor da área de alimentos e vinhos.

Para se proteger nessa guerra silenciosa vale tudo. Desde a troca de senhas de computadores e uso obrigatório de crachás de identificação dentro das dependências das empresas até a restrição à entrada de funcionários em determinadas áreas do prédio. Medida adotada pela Embraer, a quarta fabricante de aviões civis do mundo e uma das mais ressabiadas. Em sua fábrica em São José dos Campos, em São Paulo, ninguém circula facilmente por todos os lugares, mesmo quem possui credencial de acesso. Uma área da fábrica, próxima ao local onde ficam guardadas a sete chaves informações estratégicas, foi interditada para impedir que vazem. A multinacional Xerox também impôs suas regras. A empresa, que possui um Centro de Tecnologia na Califórnia, criou no Brasil uma gerência de segurança de informação. Trata-se de um departamento especializado em criar mecanismos de proteção para assuntos, projetos e informações importantes da companhia. “Todas as senhas e códigos da Xerox são alterados diariamente e os cuidados são direcionados também para os hackers. Por trás de um inocente fanático por computadores pode estar um espião tecnológico”, diz Roberto Toledo, responsável pelas salvaguardas da empresa.

A IBM, além de adotar medidas básicas, como impedir a entrada de pessoas não autorizadas às suas instalações, acredita que estimular a lealdade de seus funcionários é a melhor saída para evitar problemas futuros. Principalmente entre os executivos que trabalham em áreas
de acesso mais restrito. Afinal, a empresa que conseguir “roubar” um desses funcionários de alto escalão leva junto um arquivo vivo. Para o engenheiro Técio Pacitti, consultor da Consist, empresa brasileira que exporta software, todo o cuidado com os computadores é pouco.
“Os espiões que buscam as inovações tecnológicas das empresas
sabem que um micro é apenas a ponta do iceberg e atrás dele há todo um complexo de conhecimentos estratégicos”, diz. No Brasil, um dos casos de espionagem de maior impacto teve como alvo o contrato de US$ 1,4 bilhão para a instalação dos radares do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), denunciado por ISTOÉ. A empresa americana Raytheon, segundo um relatório examinado pela Comissão Européia, teve acesso clandestinamente à proposta da francesa Thomson para o fornecimento dos radares do sistema.

O almirante Othon Pinheiro da Silva, que coordenou o programa nuclear da Marinha, acredita que por pouco não foi vítima de espionagem. Segundo ele, na época do anúncio de que o Brasil iria enriquecer urânio para abastecer suas usinas nucleares, um americano instalou-se no mesmo prédio em que residia, nos Jardins, em São Paulo. “Ele alugou um apartamento embaixo do meu e ficou óbvio que procurava ter acesso às informações”, garante o almirante. Os espiões da área tecnológica não procuram apenas os sofisticados gabinetes de grandes empresas ou os congressos e seminários em que são discutidos projetos e inovações de companhias. Eles também analisam instalações mais modestas e instituições que pesquisam novos equipamentos ou patentes de medicamentos. “Essas instituições estão mais vulneráveis. O Brasil precisa de uma legislação de segurança de segredos tecnológicos e industriais semelhante à que existe nos EUA”, afirma o brigadeiro Hugo de Oliveira Piva, responsável pelo desenvolvimento da tecnologia espacial brasileira. Enquanto isso não ocorre, os espiões continuam atuando com extrema habilidade e em geral fazem um trabalho disfarçado em coquetéis, congressos e seminários. As próprias empresas que lidam com alta tecnologia adotaram um manual de proteção. Entre as principais recomendações estão nunca deixar documentos ou disquetes sobre a mesa, não tratar de assuntos sigilosos em celulares e controlar a língua em festas de confraternização.