Engordar os cofres públicos significa, para muitos, criar imposto ou aumentar alíquotas. Para o governo do Espírito Santo não é bem assim. O Estado fechou 2003 como um dos três melhores em desempenho de arrecadação no Brasil. E pôde comemorar o feito com o aval da população e das empresas. Ou seja: não aumentou em um centavo a carga tributária, mas apertou o cerco contra os caloteiros fiscais. Só de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recolheu no ano passado R$ 2,9 bilhões – 30% a mais do que em 2002. O governo capixaba acabou com a festa de juízes e empresas e, além de reforçar a fiscalização, revisou a legislação estadual e está jogando duro contra as novas liminares de isenção que vão surgindo. “Logo no primeiro semestre de 2003, a Assembléia Legislativa revogou 200 regimes especiais que favoreciam diversas empresas”, explica Guilherme Dias, secretário estadual de Planejamento, que foi ministro da mesma pasta de FHC. No ano passado, a arrecadação de combustíveis recebeu incremento de 60% em relação a 2002. Isso porque 13 liminares foram revogadas só nesse setor.

As liminares – exceções à regra geral que abrem brechas para a sonegação – são pesadelos para qualquer Secretaria de Finanças, sempre às voltas com orçamentos curtos. Na virada do ano, a empresa RJC Empreendimentos, de Vila Velha, obteve uma que a isentava do pagamento do ICMS referente à saída de seis milhões de litros de gasolina que foram vendidos para a empresa Oásis, de São Paulo. Em 5 de janeiro veio a resposta: a Vara de Feitos da Fazenda Pública bloqueou a saída do combustível, que ficou estocado na Companhia de Docas do Espírito Santo (Codesa). Quatro dias depois, nova liminar, baseada em medida cautelar de arresto de bens da RJC.
“O problema é que o patrimônio da empresa é menor que o imposto a ser pago”, conta Maria Cristina de Moraes, procuradora-geral em exercício.
E, na quinta-feira 13, a empresa paulista desfez a negociação com a RJC por conta de uma cláusula no contrato que estipulava prazo de 15 dias para a entrega do produto. “Esse combustível não sai daqui sem o recolhimento do ICMS. E eles não vão recorrer porque estão perdendo muito dinheiro com o produto estocado”, diz Maria Cristina.

O resultado dessa guerra já era esperado. O juiz federal que impetrou
a ação que deu origem à série – a favor da RJC – se baseou numa súmula já caduca que autoriza a cobrança do ICMS no destino do produto e não na origem. Mas a decisão contraria o que determina o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo a advogada Márcia Melare, especialista em direito tributário, essa discussão já está mais do que superada. “O regime da substituição tributária, que obriga as empresas a pagar o ICMS antes de transportar a mercadoria, está previsto na Constituição e já foi reforçado por emenda”, explica. No meio da discussão, até o governador Geraldo Alckmin elogiou as ações do governo capixaba na luta contra o calote fiscal e declarou que, nesse caso, o imposto deveria ser recolhido no Espírito Santo. O governador Paulo Hartung (PSB) reforçou a fiscalização nos pontos de saída de seu Estado e quer intensificar o intercâmbio de informações com o governo paulista, somando esforços no combate à sonegação.

Outra medida tomada pelo governo do Espírito Santo para impedir a evasão fiscal foi reduzir em 30% a carga tributária das micro e pequenas empresas. “Queremos que, em contrapartida, deixem de sonegar,” calcula José Teófilo de Oliveira, secretário estadual da Fazenda. As iniciativas do governo capixaba, além de engordarem os cofres, ainda têm trazido novas empresas para o Estado. “Quem paga imposto aprovou nossa revisão na lei. Os regimes especiais que revogamos tiravam a igualdade entre as empresas. Por isso, notamos que cresceu o número de empresários querendo investir aqui, até porque não aumentamos a carga”, entusiasma-se Guilherme Dias, do Planejamento. É por isso que, enquanto a arrecadação média dos Estados brasileiros caiu 10% em 2003, a do Espírito Santo cresceu 9% no total. Na guerra contra a sonegação, pode-se dizer que o governo capixaba venceu uma boa batalha.