21/01/2004 - 10:00
No início dos anos 1950, quando o Estado americano da Califórnia já respirava ares renovadores, a maior parte dos Estados Unidos, em especial a Nova Inglaterra, ainda preservava na sociedade e no interior de seus lares assépticos o rigor das tradições. Neste ambiente, a faculdade Wellesley – dedicada à formação de moças de famílias abastadas – se destacava como reduto obrigatório para quem quisesse ver suas filhas trilhar o mesmo caminho de gerações passadas. Inteligentes e aplicadas, pela manhã elas estudavam literatura ou física. E à tarde, entre outras futilidades, se dedicavam a aprender o cerimonial de como organizar um jantar para o chefe do marido e sua esposa. Ou seja, mulheres àquela época podiam estudar, mas o destino final de cada uma era casar e viver o sonho americano da felicidade numa casa estilo colonial, cheia de eletrodomésticos. Quando leram um artigo sobre o período, destacando as regras rígidas de Wellesley, a dupla de roteiristas Lawrence Konner e Mark Rosenthal imediatamente se dedicou a um projeto que resultou no filme O sorriso de Mona Lisa (Mona Lisa smile, Estados Unidos, 2003), cuja estréia nacional acontece na sexta-feira 23.
Os dois pesquisaram à exaustão e, junto ao diretor inglês Mike Newel
l – da bem-sucedida comédia romântica Quatro casamentos e um
funeral –, teceram um enredo no qual as raízes do feminismo começam a ser plantadas na figura da professora de história da arte Katherine Watson, papel de Julia Roberts que, segundo sua confissão, queria ser professora antes de se tornar a maior estrela americana do cinema atual. Katherine chega a Wellesley carregando o despojamento ensolarado da Califórnia. De maneira constrangedora, ela entra em choque com a baixa temperatura das alunas de nariz empinado, que só sabem repetir o que decoram nos mesmos livros de seus ancestrais. Disposta a chacoalhar este mundinho bitolado, Katherine inicia sua batalha campal. Induz as moças a entenderem não apenas o processo artístico ou a vida atribulada de alguns pintores, cujo reflexo se evidencia nas suas obras. Quer, principalmente, que elas exerçam suas individualidades, que se desacorrentem de seus caminhos traçados, que explorem seus anseios. No fundo, o filme remexe na luta do indivíduo pelo seu papel social.
Com um elenco basicamente jovem e coeso no qual Kirsten Dunst – a heroína de
Homem-Aranha
– faz o contraponto a Julia Roberts, interpretando Betty, a conformada, o filme de Newell retrata com fidelidade um tempo em que os alicerces de uma vida dourada, na verdade, estavam assentados em terrenos arenosos. Mas é atual ao provocar uma discussão sobre a liberdade de discernir, de se escolher a própria rota, sem interferências. Numa das cenas, é recriada a corrida do aro, na qual a vencedora seria a primeira a se casar. Hoje, com um currículo mais arejado, as alunas de Wellesley repetem a mesma corrida, com um conceito menos maquiado. Em vez do casamento, à vitoriosa diz-se que ela será a primeira a realizar todos os seus sonhos. Moderno e atuante, sem dúvida, porém mais americano, impossível.