26/08/2009 - 10:00
A canção de protesto chegou ao YouTube. E tudo indica que veio para ficar. Faz sucesso atualmente com "United Breaks Guitars". Ou, em bom português, "a companhia aérea United Airlines quebra guitarras". É um videoclipe de 4,37 minutos, que se atravessa aos solavancos, por causa das gargalhadas. Curto e forte como uma dessas turbulências aéreas que tiram da rota voos comerciais.
"United Breaks Guitars" mistura uma produção ostensivamente artesanal com uma ótima trilha de músicos profissionais, a cargo da banda Sons of Maxwell. Tem o humor corrosivo das paródias jornalísticas feitas pelo site The Onion, acordes que ecoam nos ouvidos por horas a fio, depois de passar rapidamente pelos alto-falantes no computador, e uma letra que não desgarra da memória. Traduz em detalhes uma história concreta, com começo, meio e fim, em rimas simples, como nos bons tempos da verve musical de Pete Seeger.
Oferece de graça um programa imperdível para quem ainda tem dúvidas sobre o tipo de mundo que está nascendo na internet, a milhas de altitude sobre os meios formais de comunicação. Sem perder o velho tom de luta do fraco contra o forte, o Davi versus Golias do videoclipe embala os sonhos de qualquer pessoa que já se viu oprimida num banco estreito por um encosto que não reclina, diante de um sanduíche de isopor com palha seca.
Da próxima vez em que o avião atrasar sem aviso ou baixar à sua frente o lanche de bordo, bastará cantarolar com Dave Carroll, o autor desse poema épico da bagagem desacompanhada: "United, United…" Ou qualquer outro nome que caiba no refrão.
Como as aeromoças costumam dizer nos discursos de recepção, "a empresa aérea é uma escolha do cliente". A guitarra elétrica que a empresa "quebrou, quebrou, quebrou" era uma Taylor 710, avaliada em US$ 3.500. Viajava para Nebraska com a banda na primavera do ano passado, quando os carregadores a jogaram do alto no asfalto do aeroporto, durante a baldeação em Chicago. Carroll se queixou na hora com as aeromoças. E elas nem quiseram ouvir a sua história.
Ao desembarcar, a guitarra saiu do estojo em ruínas. Caso legítimo de indenização por perdas e danos no transporte. "Não", disse a gerente de terra. Carroll só ganhou inspiração para o musical. Ele já compôs e gravou duas músicas. A terceira – intitulada "United, Song 3" – vem a caminho. Teve tempo de sobra para ruminá-las, durante os quatro meses em que tentou discutir seu problema com funcionários que o passavam de um telefone de atendimento a outro. De ligação em ligação, a solução ia ficando cada vez mais longe. Um dia, só poderia ser recebida pessoalmente em Halifax. No outro, em Nova York.
O estúdio ficava mais perto. E o YouTube, em qualquer lugar. Convencido de que se metera numa "batalha perdida", porque o sistema de atendimento fora concebido para evitar reclamações, em vez de resolvêlas, Carroll foi se queixar no YouTube. Esperava um milhão de ouvintes em um ano. Teve cinco vezes mais no primeiro mês.
Com o sucesso online vieram as ofertas. A direção da companhia prontamente lhe ofereceu um patrocínio para encurtar a temporada do "United breaks guitar". Nada feito. Ele sugeriu que o dinheiro fosse entregue a qualquer instituição de caridade que a empresa escolhesse. E continua no ar, anunciando as próximas atrações.
Marcos Sá Correa é jornalista e editor da revista Piauí