26/08/2009 - 10:00
Era mais do que sabido que as 11 representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AC), acabariam em pizza. O que, de fato, ocorreu graças ao apoio decisivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O partido que nasceu em 1980 empunhando a bandeira da ética mais uma vez se apequenou diante dos contra cheques do governo federal e do presidente que empurrou pela goela dos senadores petistas a decisão de votar pelo arquivamento. Por 9 votos a 6, o Conselho de Ética salvou a pele de Sarney. E foram decisivos os três votos da bancada petista. Desta vez, porém, não houve festa. O PT entrou em conflito de identidade e mergulhou em profunda crise.
O partido que sobreviveu ao Mensalão tenta agora juntar os cacos, mas ninguém se atreve a dizer se o custo pela pizza para Sarney já foi totalmente pago. No mesmo dia em que as denúncias contra o presidente do Senado rumaram para o arquivo, o PT assistiu à senadora acreana Marina Silva se desfiliar da legenda. Em seguida, o senador Flávio Arns (PR) também anunciou que estava deixando o partido. "O PT jogou a ética no lixo. Posso dizer que me envergonho de estar hoje no PT", disse Arns, minutos após a votação. "A cúpula do PT resolveu ignorar a militância em prol da candidatura de Dilma e da aliança com o PMDB." Abalado, o senador Eduardo Suplicy (SP) lamentou a situação do partido e disse que se a divisão se aprofundar ele também poderá deixá-lo. Com olhos marejados e a voz embargada, o senador explicou que seria um passo dramático "porque as dores da separação são terríveis".
A oposição aproveitou o drama petista para atacar sem piedade. Em clima de pêsames, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) tripudiou: "Hoje é um dia, me perdoe o PT, em que o PT abraça o Sarney e o Collor, e em que a Marina Silva sai do PT. Com toda a sinceridade, eu não sei hoje quem representa o PT lá da origem: se é o Lula do Sarney ou se é a Marina."
Ninguém melhor que o líder do partido no Senado, Aloizio Mercadante (SP), simbolizou esse PT que esqueceu de onde veio e agora não sabe para onde vai. Em menos de 72 horas, ele participou de um acordo para salvar Sarney, em seguida rompeu com a palavra e abandonou os liderados. Depois anunciou que renunciaria à liderança e encerrou a semana onde sempre esteve: perdido entre o presente de ser governo e o passado de ter sido contra tudo que agora prega. Tamanha vacilação levou os petistas a apostar que Mercadante é um senador sem futuro.
O esquema que salvou Sarney foi acertado na terça-feira 11, numa reunião entre os líderes petistas e peemedebistas, o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e a ministra Dilma Rousseff. Foi definido que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, escreveria uma nota justificando o respaldo da Executiva Nacional a Sarney. Mercadante, deveria ler no Conselho de Ética, antes da votação, a nota assinada por Berzoini. Mercadante roeu a corda e os senadores que seguiram a orientação do presidente Lula foram deixados à deriva. Na tentativa de corrigir a falta de Mercadante, o senador João Pedro (AM), suplente do ministro Alfredo Nascimento, leu o comunicado de Berzoini: "Oriento os senadores do PT que votem pela manutenção do arquivamento das representações (…) como forma de repelir essa tática política da oposição."
Em tom quase inaudível, os senadores João Pedro, Delcídio Amaral (MS) e Ideli Salvatti (SC) pronunciaram os votos decisivos para a sorte de Sarney. Mercadante, que não pertence ao Conselho de Ética, proferiu um simbólico voto em separado: "Respeitarei a posição daqueles que têm que seguir a disciplina partidária, mas a nossa posição era para a investigação". Encheu-se de brios e avisou que deixaria a liderança do partido.
No dia seguinte, em mensagem no twitter, disse que a decisão era irrevogável. Mas voltou atrás e comunicou que, iria consultar o presidente Lula à noite. Lula, que estava no Rio Grande do Norte, ao ser informado das idas e vindas do senador, fez um muxoxo: "Ele já tem mais de 50 anos e sabe o que fazer". Diante das trapalhadas de Mercadante, Lula deixou claro a políticos que o acompanhavam que sua paciência se esgotou. E já tinha um nome para a liderança do PT no Senado: o de João Pedro. Na quinta-feira 20, Mercadante reuniu-se com Lula. A conversa terminou na madrugada e na sexta-feira, em discurso no Senado, um envergonhado Mercadante anunciou que fica no cargo de líder a pedido de Lula.
Delcídio Amaral confirmou à ISTOÉ todo o seu desconforto em votar pelo arquivamento das representações, mas fez carga contra o hesitante líder do PT. "O Mercadante não fez o discurso e ficamos os três, João Pedro, Ideli e eu, com cara de babacas", disse Amaral. "Ele nos jogou na ladeira às claras. Eu fui colocado pelo líder no Conselho de Ética. Sou do partido do presidente, da base aliada e não tenho como não vestir a camisa do governo". No interior de Santa Catarina, Ideli, procurada por ISTOÉ, preferiu se preservar do desgaste e falar pouco sobre a crise. Ela afirmou, por intermédio de assessores, que tinha consciência do sacrifício que estava fazendo, mas era a única forma de manter a boa relação com o governo federal e a liberação de verbas para seu estado. "Se quebramos as pontes com o PMDB, rompemos com os demais partidos, como o PTB e outros", acrescentou Ideli.
Segundo o professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp, Roberto Romano, a atuação do PT no Conselho "mostra que a ética é só um objetivo genérico que se grita tanto para a militância interna como para toda a sociedade". Expetistas históricos, como Plínio de Arruda Sampaio, apostam no pior: "Acho que muita gente ainda vai deixar o partido", diz Arruda, hoje no PSOL. A pizza no Conselho de Ética foi grande o bastante para sobrar pedaços para governo e oposição. Por unanimidade, a representação contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), também foi arquivada. E tudo indica que haverá um esforço para retornar aos dias de normalidade no Senado, anteriores à eleição de Sarney para a presidência. "Acabou uma fase. Agora teremos espaço para retomar o debate das grandes reformas e regulamentação das medidas provisórias", acredita Sarney. Mas, se no passado havia um PT para cobrar compromissos éticos dos outros partidos, ficou patente agora que ninguém mais tem moral no Senado.