Ao mesmo tempo que vive o clima de comemoração pelos 450 anos de São Paulo, a prefeita Marta Suplicy não baixa a guarda quando o assunto são os adversários, principalmente os tucanos, que, segundo ela, agora contam com a ajuda do Ministério Público para emperrar obras significativas para a cidade. Marta não poupa críticas aos oito anos de FHC na Presidência da República e sai em defesa da política econômica do presidente Lula, que freou o risco Brasil e pôs o País nos trilhos, para tentar fazer a locomotiva Brasil andar rumo ao crescimento a partir de 2004. Confiante na sua reeleição, não aceita ser taxada de vitrine do PT, mas não abre mão de ter Lula em seu palanque. A prefeita recebeu ISTOÉ em seu gabinete, no Palácio das Indústrias, do qual está se mudando no dia 25, junto com mais de dez secretarias, para o centro da cidade. Ela responde aos críticos e fala com emoção de sua obra mais recente: o Centro Educacional Unificado (CEU). “Essas crianças e suas comunidades saem do desterro absoluto para ingressar na cidadania. Agora, vai dizer que isso é eleitoral.”

ISTOÉ – Qual o peso de ser a vitrine do PT nas eleições municipais?
Marta Suplicy

Não funciono com a cabeça pensando que sou vitrine, funciono pensando que tenho que fazer o melhor, dar o sangue todo dia.

ISTOÉ – Mas a sra. é cobrada por ser vitrine.
Marta Suplicy

A imprensa cobra, eu não (risos). Tenho que fazer o melhor que posso. Não tenho que pensar em mais nada a não ser trabalhar dia e noite para fazer o melhor. Uma coisa não me falta: energia. Não tenho experiência de ficar deprimida ou desanimada.
 

ISTOÉ – Nem nos momentos difíceis, como no começo do mandato?
Marta Suplicy

Todo dia é difícil. Você vai superando os problemas, é como um parto. Há tanto prazer de ver as coisas acontecerem que você vai esquecendo como foi difícil fazê-las acontecer. Os CEUs, por exemplo, foram um parto para sair. Não tinha terreno, ninguém acreditava. Se eu for pensar no que passei… mas graças a Deus é como filho: não penso como foi o parto, e sim no prazer que está me dando.
 

ISTOÉ – A arrumação da casa demorou quanto tempo?
Marta Suplicy

A casa não fica arrumada quando se tem dívida de R$ 25 bilhões e se paga 13% ao mês (R$ 100 milhões) da Receita Líquida Real. A casa foi destroçada de tal forma que nas próximos décadas haverá este comprometimento. A dívida de São Paulo foi negociada por (Celso) Pitta e por Fernando Henrique e passou pelo apoio de (Paulo) Maluf à reeleição de FHC. E ainda falam que foi um privilégio para São Paulo. Foi uma dívida negociada pelo PSDB! O município pagará sua dívida em 30 anos. Só em 2003 foi R$ 1,2 bilhão, que é uma soma gigantesca para padrões de cidades brasileiras. Fora isso, foi aprovado pelo Senado que o BNDES daria R$ 700 milhões a São Paulo para investimento em transporte e que a cidade estaria autorizada pelo governo federal a pleitear ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) um empréstimo de US$ 104 milhões, para a revitalização do centro.
 

ISTOÉ – E a sra. conseguiu este empréstimo?
Marta Suplicy

Foram oito viagens, dois anos de negociação. Como não queríamos atrasar as obras, começamos por conta própria. Sabia que tínhamos um bom projeto e o empréstimo seria aprovado, como foi há dois meses. Mas o empréstimo tem que passar pelo Senado e aí fica essa dificuldade, que tem um impacto na presteza das obras porque a gente não tem um caixa infinito. Enquanto pudemos bancar, bancamos. Esperávamos que até o fim do ano entrasse o dinheiro. Não entrou. Se não entrar em janeiro, não vamos seguir o calendário das obras, o que lamento profundamente.

ISTOÉ – A que a sra. atribui esta demora no Senado?
Marta Suplicy

Só sei que não estão fazendo isso contra a prefeita do PT
ou contra a Marta, estão fazendo contra quem mora em São Paulo, contra o nordestino que mora aqui, porque a maior cidade nordestina é São Paulo. A cidade que todos visitam. Quando querem se operar de alguma coisa mais sofisticada, de alta tecnologia, vêm para cá; quando querem fazer compras em grande leque, é São Paulo; quando querem férias culturais, é São Paulo. E quando chega a hora de ajudar São Paulo, que é um direito e não um favor, nada acontece. Ela quebra a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas foi uma negociação excepcionalizada e aprovada pelo Senado. Lembro que era candidata e fui falar com cada senador para aprovar a proposta. Como sabia que tinha uma chance grande de ganhar a eleição, achava que isso deveria ser viabilizado. O que se está fazendo é política em cima disso.

ISTOÉ – Como a sra. explica Paulo Maluf em primeiro lugar nas pesquisas com 23%?
Marta Suplicy

Não tenho idéia. Vocês sabiam que nove secretarias já se instalaram no centro?
 

ISTOÉ – A sra. se vê hoje com as mesmas chances de se reeleger?
Marta Suplicy

Acho que a gente está fazendo um governo muito bom, a despeito da adversidade extrema.
 

ISTOÉ – Qual é essa adversidade extrema?
Marta Suplicy

Uma cidade que há 12 anos não tinha um Plano Diretor, que tinha engavetado um plano de subprefeituras, de descentralização jamais implantado, que estava num nível de corrupção gigantesco e que nos últimos quatro anos do último prefeito (Pitta) não teve obras. E eu fico pensando: o que eles faziam com o dinheiro de São Paulo? Você lembra de alguma obra do Pitta? Mesmo tendo que pagar os R$ 100 milhões ao mês da dívida, vou conseguir fazer 28 CEUs. Conseguimos recapear as avenidas e ruas mais importantes; contratar por concurso 17 mil para educação, saúde e segurança. As pessoas esquecem rápido. Lembra como era cidade? Não tinha praças. No centro se fez um investimento gigantesco com recursos da prefeitura, sem entrar dinheiro do BID.
 

ISTOÉ – A reação negativa à criação de taxas já era esperada?
Marta Suplicy

Fizemos um ajuste fiscal de porte e corajoso, de acordo
com a política petista: quem tem mais paga mais. A prefeitura isentou
um milhão de pessoas de IPTU, 800 mil tiveram a alíquota reduzida. O restante teve um peso maior, o que considero justo e a população também, haja vista que todos diziam que não íamos conseguir efetivar as medidas devido às centenas de processos. Foram meia dúzia e ganhamos todos. Isso mostra uma percepção e sensibilidade das pessoas que têm mais e, por isso mesmo, precisam dar mais. Nesse governo dá para ver onde está indo o dinheiro.
 

ISTOÉ – Mas e as taxas?
Marta Suplicy

Quem faz esta campanha é o PSDB. Quem aumentou imposto nesta cidade e no País foi FHC. Passou de 27% para 36% a carga tributária do País. E a privatização malfeita é o que pesa mais. Dá para comparar uma taxa de lixo ou uma taxa de luz com o que subiu de tarifa de telefone, com o que subiu de energia? Não é justo fazer isto!
 

ISTOÉ – Na sua opinião, é esta a herança maldita do governo FHC? .
Marta Suplicy

Ela é verdadeira e eles (os tucanos) ainda tentam manipular os fatos dizendo que o PT foi responsável pela situação do Brasil, porque todo mundo tinha medo do Lula. Não é verdade! Oito anos de governo do PSDB – que apostou equivocadamente em um rumo econômico – aumentaram o déficit público, sem aumentar o PIB. Isso deixou o País vulnerável, sem falar do terrorismo eleitoral, que obrigou Lula a adotar uma posição de dureza econômica no primeiro ano. Foi difícil, mas ele fez com competência, sem ceder uma gota sequer ao populismo. Isto a história há de reconhecer

ISTOÉ – O desemprego e a violência são apontados pelos eleitores em todas as capitais como os principais problemas das suas cidades. Como a sra. está agindo nesses setores?
Marta Suplicy

Quando assumimos, não precisamos ter acesso ao IBGE para saber que a violência aumentava no Estado. Sabíamos que oito anos de FHC tinham criado uma situação deplorável aqui e isso causou um impacto gigantesco na cidade. Criamos a Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, cadastramos as pessoas, sem ser de forma eleitoreira, e sim pautados pelo mapa da pobreza, para inseri-las nos programas sociais. Mais de 14% da população está em algum projeto, que nos custou até agora R$ 450 milhões.
 

ISTOÉ – Qual o impacto das ações?
Marta Suplicy

 Em primeiro lugar, a diminuição de homicídios em 14% nas
regiões onde entrou o Renda Mínima, redução de 44% na evasão
escolar e aumento de arrecadação de ISS nas localidades onde é
gasto o dinheiro dos programas sociais. Uma pesquisa nossa mostrou
que os beneficiados gastam mais de 80% em comida e no bairro onde moram. Com isso, 150 mil empregos foram criados ou preservados.
Outra providência foi com as crianças. Elas faltavam à escola por
causa da violência ou porque as mães não tinham dinheiro para a passagem. Outro impedimento era a falta de material e de uniforme.
A roupa é uma característica minha, vem da minha formação de psicóloga. Sei o que é uma criança ir à escola maltrapilha, sem
condições emocionais de aprender. Elas faltavam quando chovia,
porque a única roupa que possuíam não secava. É aí que eu tenho
que pôr dinheiro, é na criança. Já demos quatro vezes um milhão de uniformes de qualidade divina. Foi uma coisa de mãe mesmo. O que
você compra para o seu filho? Uma coisa boa, que vai durar.
 

ISTOÉ – A sra. já percebeu algum efeito no emocional dessas crianças?
Marta Suplicy

Aconteceu uma coisa engraçada: os sapatinhos e as sandálias eram todos furadinhos. Agora, quando chego nos colégios, olho logo para os pés. Estão todos de tênis e de boa qualidade porque a mãe economizou com material e com uniforme. Toda vez que vejo isso eu choro. Eles andando com os uniformes lindinhos… Atendi todas as crianças do município, mesmo assim ainda tenho que aguentar esta Secretaria de Educação do Estado falando as bobagens de que temos crianças fora das escolas. O Estado fechou 250 mil vagas no ensino fundamental nos últimos sete anos. Eles só não estão piores na fita (risos) porque criamos 70 mil vagas.
 

ISTOÉ – Seus adversários dizem que o CEU é um projeto eleitoreiro.
Marta Suplicy

A defesa do CEU é toda uma postura diferenciada em relação à educação. A chance de uma criança que mora numa favela, numa periferia, quebrar o seu mundo de pobreza é muito pequena, enquanto a possibilidade de ir para a marginalidade é gigantesca. A idéia foi arrumar para essa criança uma janela diferente de todas que ela já teve até hoje. Ninguém aqui nasceu ontem. Sabemos muito bem quantas salas de aula poderíamos ter feito com o custo de um CEU, mas no ensino fundamental na cidade de São Paulo não faltam vagas, tem salas cheias. Que diferença vai fazer diminuir de 40 ou 45 crianças numa sala lotada para 35 sem dar a elas oportunidade na vida? Com o CEU, eu quebro um mundo de exclusão social não só para os 3.460 que estão ali matriculados, mas para a rede inteira que está em volta, municipal ou não. Uma pesquisa mostrou que 88% não tinham entrado num cinema e 100% não tinham entrado num teatro. Essas crianças e suas comunidades saem do desterro absoluto para ingressar na cidadania. Agora, vai dizer que isso é eleitoral? Isso é pensar na população que nunca foi pensada.
 

ISTOÉ – Como a sra. está conseguindo dinheiro para tantas obras?
Marta Suplicy

Fomos criativos e aí acho que o mérito é do Sayad (João, ex-secretário municipal de Finanças). Ele criou um instrumento que permitirá pôr títulos mobiliários à venda no mercado. Com isso, podemos arrecadar o suficiente para fazer todas as obras propostas. É bom lembrar que as obras estão criando 100 mil empregos.

ISTOÉ – As taxas ajudam?
Marta Suplicy

Elas são pouco dinheiro, ainda mais com coação pública e o Ministério Público trabalhando a favor do PSDB. Fica difícil arrecadar e viabilizar muita coisa na cidade. Existe um movimento do MP em cima da cidade. Quando ele está fiscalizando, eu aplaudo. Mas quando fica partidarizado, prejudica a cidade. É o que está ocorrendo aqui.

ISTOÉ – A sra. espera uma campanha pesada?
Marta Suplicy

Campanha eleitoral é pesada, mas espero uma campanha diferente. Essa será mais política, mas não creio que necessariamente será só federalizada. Para nós, uma reeleição – e com o governo federal junto – é disputada em dois patamares. Um é o local, o cotidiano do munícipe, e o outro é o federal. De um lado é a situação do governo e o prestígio do presidente, que não tende a diminuir, e sim a melhorar…

ISTOÉ – O presidente Lula sobe no seu palanque?
Marta Suplicy

Marta – Para mim, quanto mais vezes ele vier e apoiar, melhor.  Estou umbilicalmente ligada ao presidente. Estive no CEU e uma
criança falou comigo assim: ‘O Lula não vem hoje aqui? (risos). Ao mesmo tempo não posso esquecer da minha administração. Mesmo que alguns não apreciem alguma coisa, mas se têm uma criança numa escola, se a rua foi asfaltada, se o ônibus melhorou e se a pracinha do bairro foi cuidada, eles votam na gente. É uma eleição complexa que você não pode tirar o peso local.
 

ISTOÉ – Que adversário é mais fácil? Maluf?
Marta Suplicy

Adversário a gente não escolhe, o que vier a gente respeita, enfrenta e ganha.