A 50ª segunda-feira do ano foi especial. Na noite do último dia 15, no salão do Hotel Unique, em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu ao palco e diante de 800 pessoas fez uma espécie de balanço de seu primeiro ano de governo e ao mesmo tempo um prognóstico do que virá no ano que vem na área mais delicada, a economia. Lembrou as dificuldades, mas ressaltou os feitos e adiantou: o estilo cauteloso de sua política econômica vai prosseguir em 2004. Ao completar naquele momento 349 dias no comando da Nau Brasil, Lula confidenciou que já se sente tranquilo e seguro com o leme nas mãos porque conseguiu atravessar o oceano de incertezas sem que a embarcação fosse a pique, como temiam muitos há exatamente um ano. “Hoje estou muito à vontade para dizer para vocês que o Brasil não tem do que ter medo. Não há caminho de volta na nossa economia”, avisou. E mandou um recado para os muitos que estão angustiados: “Vocês podem ficar tranquilos que a economia brasileira vai voltar a crescer.” A heterogênea platéia – políticos, empresários, artistas, banqueiros, jornalistas, esportistas, e até crianças – aplaudiu o presidente várias vezes durante o discurso de dez minutos, encerrando, às 22h15, a festa da Editora Três que pelo quinto ano consecutivo homenageou os que mais se destacaram no ano. Fazendo coro ao otimismo de Lula, o ministro da Fazenda, o médico Antônio Palocci Filho, diagnosticou: “Em 2003 fizemos a travessia do deserto. O Brasil agora começa o processo de crescimento. Não mais curto e raso. Será uma oportunidade histórica para o Brasil crescer de maneira sustentada. Temos agora contas equilibradas, exportações fortes, equilíbrio fiscal severo e justo, pagamos as nossas dívidas, temos uma política industrial em andamento, uma política tributária nova e principalmente a decisão do presidente de fazer um processo de crescimento sustentado de longo prazo com distribuição de renda.”

O presidente Lula fez questão de ressaltar que o evento da Editora Três já se tornou referência no País. No ano passado, a festa fez história ao conseguir reunir no mesmo palanque, dias após a eleição, o próprio Lula e o então presidente Fernando Henrique Cardoso, agraciados pela revista ISTOÉ com os diplomas de Brasileiros do Ano e da Década. “Quero dizer ao companheiro Domingo Alzugaray que a entrega desse prêmio toma um jeito de um evento definitivo no Brasil”, disse o presidente, dirigindo-se ao editor e diretor responsável da Editora Três, Domingo Alzugaray. As três revistas da Editora Três premiaram 16 homens e mulheres que se destacaram em vários setores e cada uma das publicações ressaltou uma pessoa em especial. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, recebeu o diploma Brasileiro do Ano, de ISTOÉ, representada no palco pelo diretor de redação, Hélio Campos Mello, ao lado de Domingo Alzugaray e do diretor executivo da Editora Três, Carlos Alzugaray. ISTOÉ Gente dedicou à primeira-dama Marisa Letícia da Silva o prêmio Personalidade do Ano. A revista ISTOÉ Dinheiro ofereceu ao empresário Benjamin Steinbruch, da Companhia Siderúrgica Nacional, a homenagem Empreendedor do Ano. A economia dominou as conversas e os discursos, pelos lamentos de um ano de muita dureza, mas também pelas manifestações de esperança de que 2004 marcará a retomada do crescimento. “O ano 2003 foi de aperto total, a economia praticamente parou. A imprensa brasileira foi posta à prova, mas está conseguindo fazer a lição de casa e preparar o caminho para deslanchar em 2004. Nossas revistas já estão dando sinais claros de vitalidade, com uma previsão de incremento de 20% nas vendas no ano que vem. Parece, assim, uma previsão de que vai recomeçar o crescimento no País”, afirmou Domingo Alzugaray.

Lula derramou-se em elogios a dois dos homenageados: Antônio Palocci e Marisa da Silva. “Não tive a sensibilidade dos homens da Editora Três, mas eu vou criar um prêmio para a Marisa, que tem a paciência de me aturar. Eu sou realmente muito ranheta”, admitiu. Atrás de Lula, o bem-humorado Palocci abriu um sorriso e mexeu a cabeça, sinalizando sua concordância com a autocrítica presidencial. Lula lembrou que Marisa já foi alvo de preconceito em campanhas eleitorais, devido à origem humilde: “Fomos vítimas de humilhações. Diziam que eu não podia ganhar as eleições porque tinha muito vidro (no Palácio do Planalto) para a dona Marisa limpar. Com sua simplicidade, a Marisa passou a ser um exemplo de mulher.” Aplausos gerais. Outra mulher homenageada foi a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus: Brasileira do Ano na Política. Na platéia, o marido e secretário de Segurança, Anthony Garotinho, ao lado da filha Clarissa, não escondia o orgulho. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também foi agraciado por ISTOÉ com o prêmio Brasileiro do Ano na Administração Pública. Destilou criatividade em seu discurso: “Isto é em gramática é uma conjunção explicativa e explica a oração anterior. Ou pode ser sujeito e verbo de uma conjunção afirmativa, como isto é assim. Mas, para nós todos, ISTOÉ é sinônimo de uma grande revista. Uma revista afirmativa e explicativa porque afirma e explica o que afirma.”
 

No dia seguinte à expulsão dos radicais do PT que discordam da política econômica do governo, Lula demonstrou toda a sua confiança no médico que cuida das finanças do País. “Montar um governo não é difícil quando você sabe que pode deitar toda a noite tendo a certeza de que estão com você companheiros de verdade, de caminhada, e não companheiros que fazem negócios, negociatas”, desabafou. Ele adiantou que no ano que vem a política econômica continuará sendo conduzida de forma cautelosa, para não haver sobressaltos, com as taxas de juros caindo na medida do possível e sem fórmulas milagrosas, “que todo mundo festeja, mas três meses depois está todo mundo chorando”. O presidente lembrou que no ano passado, nesta mesma época, muitos estavam atemorizados com o que aconteceria com a economia do País em um governo petista. Ressaltou que Palocci teve a tranquilidade e a serenidade de um médico diante de um moribundo. “Na nossa trajetória de 20 anos, nunca vi o Palocci perder a calma”, afirmou. “Não sei se com a Margareth ele já perdeu a paciência, mas na política não”, brincou, referindo-se à discreta mulher do ministro, médica sanitarista como o marido. O líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Eunício Oliveira (CE), concordava: “O Lula tem razão. O Palocci é extremamente calmo. Este ano participei de mais de 30 reuniões com ele. Ouve críticas pesadas, mas está sempre tranquilo e tem as respostas na ponta da língua.” Naquela noite, Palocci ouviu, calmamente, censuras públicas, como a de Benjamin Steinbruch: “O real poderia estar mais desvalorizado, poderiam ter baixado os juros mais rápido.” Mordeu, mas em seguida assoprou: “Agora o País está preparado para o crescimento. O ano 2004 será da virada.”

Lula também deu as suas alfinetadas. Cobrou do sistema financeiro que faça a sua parte: “Os bancos podem se preparar porque vão ser motivados, se depender do governo, a ganhar dinheiro investindo em coisas que signifiquem geração de empregos, de riquezas e distribuição de renda. O governo não pode incentivar os bancos a ganhar sem investir no setor produtivo oferecendo títulos a juros exorbitantes.” A sintonia Lula-Palocci era evidente. O ministro também derramou-se em elogios ao chefe. Palocci, com o terno frouxo, mostra de que o regime está surtindo efeito, disse que o presidente “é o brasileiro de todos os anos”, fazendo um jogo de palavras com o título conferido por ISTOÉ. E explicou: “Pela maneira compreensiva, generosa, companheira com que ele nos trata em todos os momentos mais difíceis, principalmente quando nós erramos.” A claque de Ribeirão Preto (SP) era uma das mais animadas. A caravana da cidade, que Palocci governou duas vezes, estava orgulhosa porque, além do ministro, outro ilustre cidadão de Ribeirão Preto era homenageado naquela noite: o ex-jogador de futebol Raí, que recebeu o prêmio Brasileiro do Ano na categoria Terceiro Setor (por ter criado a Fundação Gol de Letra) concedido por ISTOÉ. Antônia de Castro Palocci, a Toninha, 63 anos, a jovem matriarca da família – com apenas 19 anos, ela teve o último filho, o próprio ministro – estava emocionada, ao lado dos outros três filhos: o médico Pedro, os engenheiros Orlando e Adhemar, este último responsável pelas finanças da administração municipal do petista Pedro Wilson, de Goiânia (GO).

Na noite em que seu caçula estava sendo homenageado, Toninha fez juz à atividade com a qual sustentou sua família, a de costureira: desfilava com um elegante vestido azul. Das várias crianças que animavam a festa, Helena, de sete anos, se destacava. Sobrinha do ministro da Fazenda (filha de Orlando), era apresentada a várias pessoas pela avó, que contava a ousadia da menina quando conheceu o presidente Lula. “Essa menina herdou o DNA político. No dia da posse, Lula a colocou no colo e perguntou o que ela ía ser quando crescer. Helena respondeu: ‘Vou ocupar o seu lugar.’ Lula riu e depois comentou com o meu filho que a sobrinha dele um dia vai ser presidente da República”, contava Toninha. A platéia era variada: governadores, como Eduardo Braga (AM), Wálder Góes (AP), José Reinaldo Tavares (MA) e ex-governantes, como Paulo Maluf. Presentes também vários integrantes do alto escalão do governo, como os ministros Guido Mantega (Planejamento) e Roberto Rodrigues (Agricultura), e o assessor especial da Presidência para Política Externa, Marco Aurélio Garcia. Representando a bancada de deputados federais Vicentinho (PT-SP), Paulo Delgado (PT-MG), Júlio Lopes (PP-RJ), Arlindo Chinaglia (PT-SP). Alguns integrantes da cúpula do PT – que hoje vive uma acirrada discussão sobre os rumos da política econômica – fizeram questão de comparecer à homenagem feita a Palocci, como o secretário Nacional de Finanças do partido, Delúbio Soares, e Paulo Ferreira, secretário de Assuntos Institucionais.

Os demais premiados pela revista ISTOÉ foram o banqueiro Edemar Cid Ferreira, Brasileiro do Ano na categoria Cultura, e o técnico da seleção brasileira de vôlei masculino, Bernardinho, Brasileiro do Ano na categoria Esporte. O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, homenageado por ISTOÉ como Personalidade Latino-Americana 2003, foi representado pelo embaixador do país no Brasil, Juan Pablo Lohlé. A revista ISTOÉ Gente homenageou ainda a apresentadora de tevê Hebe Camargo como Personalidade do Ano na Comunicação, o pianista João Carlos Martins (Personalidade do Ano na Cultura), o cineasta Hector Babenco (Cinema) e o ator, diretor e produtor teatral Sérgio Britto (Artes Cênicas). A revista ISTOÉ Dinheiro contemplou ainda o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano (Empreendedor do Ano nas Finanças), o governador do Mato Grosso e empresário Blairo Maggi (na categoria do Agronegócio), o presidente da Ford do Brasil, Antonio Maciel Neto (Indústria), além do publicitário Nizan Guanaes (Comunicação). Marqueteiro do tucano José Serra na campanha presidencial, Nizan arrancou risos: “Não sei dizer se a alegria da minha mãe é maior por me ver aqui ou vê-lo no Planalto.” Na platéia, a simpática baiana Esmeralda explicava as palavras do filho: “Votei no Serra, mas torci pelo Lula. Torço para que ele consiga fazer com que todos os brasileiros tenham o que comer.” Oxalá.