07/01/2004 - 10:00
O Brasil vai crescer em 2004. Quem acha que previsões de integrantes do governo – como essa, de Henrique Meirelles, que assumiu em janeiro de 2003 a presidência do Banco Central, o principal posto econômico do País – são temerárias porque vinculadas a interesses que vão além de todas as nossas fronteiras cotidianas, a boa notícia vem de vários setores da economia privada: o Brasil vai crescer sim, passado o amargo ano de arrumação da casa pelo governo. No orçamento para 2004 de inúmeras empresas privadas do País o plano é investir, crescer, exportar e criar empregos.
O setor de celulose e papel, um dos mais significativos termômetros para medir a temperatura da economia do País, com
200 empresas e 100 mil empregados, apresentou ao governo um programa de investimento definido para o período de 2003 a 2012, no valor de US$ 14,4 bilhões, destinado a ampliar a capacidade produtiva, aumentar exportações e criar novas oportunidades de trabalho. Nos últimos dez anos, essas indústrias aplicaram US$ 12 bilhões na ampliação de sua capacidade, o que possibilitou triplicar as exportações de pouco mais de US$ 1 bilhão em 1990 para chegar em 2003 com US$ 3,1 bilhões.
Outro setor de mão-de-obra intensiva – a indústria têxtil – trabalha com a expectativa de aumento de 20% nas exportações e 27%
na balança comercial em 2004. “A forma como estamos iniciando 2004 é bem diferente da que começamos 2003”, diz Paulo Skaf, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). “O cenário é muito positivo.” As 30 mil empresas do setor – entre fiações, tecelagens, malharias, tinturarias e confecções de todo o País, gerando 1,5 milhão de empregos diretos – trabalham com a perspectiva de criar 31 mil postos de trabalho em 2004 e crescer entre 2% e 3% no mercado interno.
Seria o tal “espetáculo do crescimento”? Abílio Diniz, dono da maior rede de supermercados do País, o Pão de Açucar, parece não ter dúvidas em relação a isso. Com 500 lojas em 12 Estados e 60 mil funcionários, ele acaba de fazer um acordo com o Grupo Sendas para ampliar a atuação de seu grupo no Rio, sem perder de vista a corrida para a compra da rede Bom Preço, um passaporte para o Nordeste, negócio que deve rolar logo logo, em 2004. Não é só ele que quer o Bom Preço. Nessa disputa entra também o poderoso Wal-Mart.
Após um ano de recessão, o Brasil põe em marcha um ciclo de crescimento econômico sustentado, disse Henrique Meirelles. Num seminário do setor bancário realizado no início de dezembro em São Paulo, o presidente do BC foi mais uma vez enfático em seu otimismo: “A rápida reversão das expectativas abriu caminho para que a retomada da atividade se iniciasse antes do que muitos imaginavam.”
Recuperação – A endossar o otimismo de Henrique Meirelles há a constatação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que a produção industrial cresceu em nove entre 12 áreas pesquisadas em outubro, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Os resultados são interpretados como um sinal de que a produção industrial brasileira está entrando em fase de recuperação.
Ninguém melhor que o presidente das operações da Ford no Brasil e na América Latina, Antonio Maciel Neto, para falar em crescimento. Com extraordinária competência, ele está recuperando a Ford – que por algumas vezes na década de 90 esteve a ponto de fazer as malas e baixar a bola na operação brasileira. Maciel fez tudo o que seus antecessores não fizeram: a Ford caminha para alcançar o equilíbrio financeiro em 2004. A empresa conseguiu aumentar sua participação no mercado em 2,1 pontos porcentuais (o que significa atingir 11,8%), as exportações cresceram 40% (US$ 760 milhões em 2003) e as expectativas são as melhores possíveis. “Há um consenso de que 2004 será melhor”, ele diz. Em 2003, a Ford cresceu 13% e a média do setor ficou em 6,8%. Maciel tem todos os méritos nessa história, no acerto do EcoSport (que terá uma versão 4 x 4 em março) e na recuperação da imagem da empresa deixada por Ivan Fonseca e Silva, seu antecessor (aquele que, às vésperas do Natal, enviou cartas de demissão aos funcionários).
A Fiat Automóveis, líder do setor, acaba de anunciar a contratação de 200 novos empregados ainda este mês, para trabalhar na linha de produção em sua fábrica de Betim (MG). As vagas teriam sido abertas em função da recuperação do mercado automotivo brasileiro nos últimos três meses de 2003 e confirmam a confiança da empresa na reativação econômica do País, com perspectiva de retomada do crescimento em 2004. O número 200 não impressiona diante dos 2,7 milhões de desempregados do País, mas tem algum impacto quando se considera que para cada emprego direto criado em uma montadora outros sete surgem em seguida na cadeia produtiva, como empresas fornecedoras e revendedores.
Juros em queda – Mais empregos, mais dinheiro em circulação, mais interessados em se precaver para o futuro. E aí é que entram empresas como a Brasilprev Seguros e Previdência, que num ano complicado como 2003 teve um aumento de 54% em sua carteira de investimentos.
O mercado de previdência complementar aberta cresceu 58% até outubro, um dos maiores índices da história do setor no Brasil. “Com juros, câmbio e inflação sob controle podemos dizer que a política econômica vai muito bem”, diz Luiz Carlos Cavalcanti Dutra, presidente da Associação Brasileira de Anunciantes e diretor para a América Latina da Dow Brasil. “Com certeza podemos afirmar que as verbas devem crescer entre 10% e 15% sobre os números de 2003.” As verbas a que Dutra se refere vão chegar ao consumidor sob a forma da publicidade em revistas, jornais, emissoras de rádio, tevês abertas e fechadas e outdoors. São investimentos que movimentarão as finanças das agências de propaganda e, em seguida, dos veículos de comunicação. Provavelmente com o grupo Unilever à frente. A subsidiária brasileira do conglomerado anglo-holandês é a maior anunciante do País, com uma verba que, em 2003, chegou a R$ 151 milhões apenas no primeiro semestre (nos 12 meses de 2002 foram R$ 255 milhões e em 2001, R$ 187 milhões). “Tivemos um ano muito bom”, diz Fábio Prado, diretor de marketing da área de higiene e limpeza. “E 2004 será melhor ainda.”
Perigos – O economista Armando Castelas Pinheiro, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), também acredita que o cenário econômico vai desanuviar no ano que vem, principalmente por conta dos bons ventos que vêm do Exterior. O perigo, em sua opinião, é a pressa em crescer. “O horizonte de médio prazo é fantástico, mas não podemos correr demais”, diz. José Roberto Mendonça de Barros faz outro alerta. “O crescimento será lento e desigual, com pouco efeito sobre a taxa de desemprego”, prevê.
Já o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, demonstra otimismo, mas faz suas ressalvas. “Crescimento sustentado não se faz só com taxas de juros. É só ver o caso do Japão”, diz o industrial, citando o país asiático, que há anos convive com juros reais negativos e economia estagnada. Sua grande preocupação repousa na infra-estrutura do País, esgotada em diversos pontos, mesma situação de diversos segmentos da cadeia produtiva. “É o nosso papel cobrar mais velocidade e sentido de urgência.” Para Piva, a ofensiva exportadora deve render bons frutos e puxar o crescimento em 2004. “É fundamental que nós continuemos a negociar a Alca, mas temos que prosseguir abrindo nichos como a Índia, a China e o mundo árabe”, diz o industrial.
Aguarde (mais um pouco). Vem aí a maratona de 2004.