Consideradas um termômetro das oscilações climáticas do planeta, as geleiras encolheram de forma dramática nos últimos 50 anos.
Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, organismo ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), só na Antártica a temperatura subiu 2,5o C. Todos os anos, a região perde 12 mil quilômetros quadrados de gelo, ou quase 65 estádios do Maracanã repletos. Desde os anos 60, quando se começou a monitorar o clima por satélite, foi possível registrar uma redução de 10% na camada de gelo que cobre a Terra. O reflexo dessa mudança não se nota apenas no termômetro. Em vários cantos do planeta, a primavera começa mais cedo e o outono dura mais tempo. Da mesma forma, os picos de temperatura estão mais pronunciados, seja nos recordes gélidos do inverno, seja nas explosões de calor, cada vez mais frequentes.

Os meteorologistas afirmam que as mudanças na temperatura e no regime de chuvas, assim como as variações nas tempestades de neve e no nível do mar, devem se estender por vários séculos. “Estamos nos aventurando pelo desconhecido, e os impactos podem ser desoladores”, alertam os especialistas. O verão europeu de 2003 é só um exemplo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 20 mil pessoas morreram vítimas da onda de calor, e desde 2000, o aquecimento da Terra provocou a morte de outras 150 mil pessoas. “É muito provável que a onda de calor na Europa volte a acontecer”, diz Eneas Salati, diretor da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável.

Aumento no número e na intensidade dos furacões e diminuição da umidade, que pode causar mais incêndios, secas e enchentes, são os outros problemas que prometem se repetir em 2004. “O ser humano mudou a composição química da atmosfera. Nos últimos 150 anos, houve um aumento de 30% na concentração de gás carbônico, e o metabolismo da Terra só absorve metade disso”, afirma Salati. Com chuvas abundantes, as regiões sacrificadas tendem a ser nos países mais pobres da África, Ásia e América Latina. Um dos efeitos do excesso de chuvas é a formação de criadouros naturais de mosquitos, o que tende a aumentar a incidência das doenças transmitidas por insetos, entre elas dengue, malária e febre amarela. “Com o aumento do nível do mar, cidades costeiras como Bangladesh, Recife e as ilhas do Pacífico correm risco de ser invadidas”, diz Salati. Se os oceanos subirem apenas um metro, Bangladesh perde metade de sua área de plantio de arroz, alimento básico e já escasso no país.

Os cientistas estimam que a temperatura média do planeta aumente em 4,5 graus nas próximas décadas e que o nível do mar suba entre 70 e 80 centímetros ao ano por causa do degelo das calotas polares e do movimento natural de dilatação da água. Quando os raios solares incidem sobre a Terra, o calor é absorvido pela atmosfera e pela água dos oceanos para depois ser emitido de volta ao espaço na forma de radiação. Ao longo do século passado, mas sobretudo após a década de 90, a mais quente da história, essa sintonia foi alterada de forma brusca. A emissão de gases poluentes, em particular o dióxido de carbono (CO2) eliminado pelas chaminés de fábricas, pelo escapamento dos carros e também por outras atividades humanas como o desmatamento das florestas, elevou a concentração de poluentes. Tudo isso agrava o chamado efeito estufa, que funciona como um manto que cobre a atmosfera terrestre e altera o fluxo de radiação lançado de volta ao espaço. O ano de 2003 foi o terceiro mais quente desde que se começou a medir a temperatura mundial, em 1861. Os dez anos de temperatura mais alta ocorreram depois de 1990. A expectativa dos meteorologistas é de que 2004 bata um novo recorde, com um aumento entre 0,38 e 0,62o C, o que o faria o segundo ano mais quente na história da humanidade.

Enquanto isso, a economia começa a sentir os efeitos das alterações climáticas. Um estudo divulgado pela ONU mostra que muitos resorts de esqui em baixa altitude enfrentam dificuldades por causa do aquecimento global. A estimativa é de que mais da metade dos resorts suíços terá dificuldade para atrair turistas e entusiastas dos esportes de inverno. Além da Europa, os EUA e a Austrália também serão afetados. Se nada for feito para reverter a situação, diz a ONU, nenhum dos resorts de esqui australianos será economicamente viável em 2070.

Como consequência desse desequilíbrio, a vida animal não encontra escapatória. Pesquisas do Fundo Mundial da Natureza (WWF) indicam que países como Canadá, Rússia e Escandinávia podem perder mais de dois terços de seus hábitats naturais. Já nas áreas mais vulneráveis no norte do planeta, incluindo a região Ártica, 20% das espécies podem desaparecer por causa da diminuição das áreas adequadas para a vida. Uma das espécies mais ameaçadas são os ursos polares, que dependem do ritmo e da constância do degelo para encontrar seu alimento. A situação pode ser ainda mais devastadora se realmente não saírem do papel as promessas de redução de poluentes seladas no Protocolo de Kyoto, acordo internacional que visa reduzir o efeito poluente dos gases tóxicos resultantes das atividades humanas.