Alto, elegante, discreto, gentil, no restaurante do hotel em que estava hospedado no Rio de Janeiro, o escritor gaúcho João Gilberto Noll, 57 anos, passava quase despercebido. Presença rara na imprensa, a não ser quando lança livros que invariavelmente invadem todas as páginas literárias de jornais e revistas, Noll não é exatamente uma estrela de rosto facilmente identificável na mídia. No entanto, ele já foi ganhador de três prêmios Jabuti, tem duas obras adaptadas para o cinema e mais duas sendo preparadas para virar filme em 2004, além de várias transmutações para o teatro. A condição de anticelebridade de forma alguma o incomoda. “Não tento me isolar, mas reconheço que preciso de uma cota diária de solidão, senão não produzo uma linha sequer”, diz Noll, um dos maiores contistas e romancistas do País.

Tímido, João Gilberto Noll foi alçado à condição de autor cult. Motivos não faltam. Depois de escrever um livro inteiro num único parágrafo, como fez em Berkeley em Bellagio, ele agora lança Mínimos, múltiplos, comuns (W11, 478 págs., R$ 56), no formato de 338 narrativas de no máximo 130 palavras cada uma. Conseguiu, assim, realizar a simetria entre prosa e poesia. “A prosa poética é uma expressão que não me agrada. Tem uma elegância pernóstica. Mas gosto que haja na prosa certa operação rítmica.” Modesto, Noll se surpreende com o interesse crescente dos cineastas pelo seu trabalho. “O que os diretores vêem nos meus livros, por que querem filmar as errâncias dos meus personagens, sinceramente eu não sei. Não há ação mirabolante e, se há um Deus, é o do acaso.” Contudo, reconhece que suas obras cultivam o irrelevante, a “aparente desimportância” e enfatizam a questão da paranóia, coletiva e individual, características que combinam com um dos caminhos do cinema atual. A arte estaria, portanto, complementando a vida. “Os fatos estão sem hierarquia moral, os valores em pane. Vivemos um momento de intervalo e o cinema processa isso tudo”, reflete.

Adaptações – Baseado no seu livro homônimo, Harmada encantou a platéia do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, do qual o protagonista Paulo César Pereio levou o prêmio de melhor ator. As duas próximas adaptações para as telas são Hotel Atlântico – sob a direção de Suzana Amaral e, possivelmente, com o titã Paulo Miklos no elenco – e O quieto animal da esquina, dirigido por Marta Biavasche, diretora de Porto Alegre. O outro filme, mais antigo, Nunca fomos tão felizes, é inspirado num de seus contos. Apesar de agradecido ao cinema, o autor se define como fanático pela literatura, alguém que não vê saída fora da dinâmica diária da escrita. “Escrever, para mim, é mostrar o que foi escondido debaixo do tapete, os detritos, o que socialmente não foi dito, o que não se pode tocar. A arte politicamente correta o tempo todo é nociva.” Neste processo de criação, Noll procura dar tons de ficção à realidade até conseguir sobrepujá-la. “A vida é realmente insuficiente e a única maneira de transcender essa lacuna é reelaborar tudo através da literatura.”

Para encantamento de seus leitores, sua nova editora está reeditando toda sua obra. Noll não revela o valor da negociação de seu passe, mas se diz satisfeito. “Estou me sentindo mais respeitado no mercado editorial. Tudo foi feito com muita dignidade, nada nababesco, mas com uma dignidade que eu não conhecia antes”, comenta. Em Porto Alegre, onde vive, ele leva uma vida simples, sem a “taquicardia do ganha-pão” típica das grandes cidades. O cotidiano é próprio de um homem solteiro que precisa repartir o tempo entre contemplar a vida e abastecer o apartamento. Ele ressalva que, felizmente, seu refúgio é pequeno, um quarto-e-sala. Mas não por opção. “Foi o que o meu bolso conseguiu comprar.” Nas horas de lazer, de ócio e de alegria, o cinema está sempre presente. “Um domingo sem cinema é um domingo morto”, enfatiza.

De família classe média, Noll estudou música, passou a infância cantando e declamando e dava como certa a carreira de cantor

lírico. Na adolescência, entretanto, tudo mudou. Descobriu que os estudos roubavam o tempo que tinha para jogar bola com os garotos

da rua. “Rompi com tudo, mas rompi sabendo que o veneno artístico já estava no sangue. Tinha 15 anos e queria a transfiguração. Não demorou, fui derivando para a literatura e passando cada vez mais tempo fechado em meu quarto, só escrevendo”, conta. “Fui um tímido mórbido”, acrescenta. A experiência pode parecer um tanto sombria, mas a literatura brasileira agradece.