10/12/2003 - 10:00
Tabla é o nome de um instrumento de percussão indiano, tão indispensável para a execução da khayal – música tradicional daquele país – quanto o surdo e o tamborim na marcação do samba. O que poucos sabem é que a tabla também ginga e, quem diria, o surdo
veste como luva o transe harmônico da canção oriental. O coreógrafo
e dançarino Ivaldo Bertazzo decidiu mostrar a saborosa combinação
dos estilos em seu próximo espetáculo, com estréia prevista para
março. A apresentação será o ponto culminante do projeto Dança Comunidade, que envolve 64 jovens dançarinos da periferia de São
Paulo. Há um ano, Bertazzo dirige o grupo em uma iniciativa inédita
de capacitar a população menos favorecida para o exercício da
cidadania por meio da dança.
Dos alunos, 15 são arte-educadores filiados a ONGs com importante atuação em seus bairros. Os demais integram a população atendida por essas organizações, todos multiplicadores em potencial do trabalho do coreógrafo. “Desenvolvemos conceitos de solidariedade e de organização em grupo e tentamos reinventar a forma como a sociedade encara essa população”, conta Bertazzo. “Um jovem que mora em um cômodo com toda a família muitas vezes desenvolve uma postura corporal de agressão. Convivendo com a dança e afinando os gestos, ganhará concentração e saberá escolher a atitude mais adequada para cada momento”, diz ele.
Dançar conforme a música será o principal desafio. Para gravar a trilha sonora, Ivaldo Bertazzo trouxe ao Brasil o grupo Gandharva Mahavidyalaya, liderado pelo cantor Madhup Mudgal, e convidou 35 ritmistas de diversas escolas de samba paulistanas para acompanhá-los. Rafael Y Castro pôs ordem na bateria, Benjamim e Rafael Taubkin assumiram o piano e o contrabaixo e, juntos, surpreenderam a platéia do Sesc Belenzinho, de São Paulo, entre os dias 20 e 23 de novembro. “Os percussionistas tocaram sentados, como se integrassem uma orquestra. Em determinado momento, ao ritmo da música indiana, um casal de sambistas apresentou alguns passos de mestre-sala e porta-bandeira. Esse tipo de experiência ajuda a derrubar a idéia de que sambista não sabe ficar quieto”, lembra Rafael Y Castro.
O músico Benjamim Taubkin explica que a música indiana é composta em um tempo mais longo, mas segue uma divisão quaternária semelhante à da música brasileira. Foi o suficiente para garantir um encontro frutífero. “Há frases indianas muito parecidas com estilos tradicionais do Nordeste, como o baião”, compara. Madhup Mudgal, o líder dos estrangeiros, adorou o som do berimbau e deu a receita do entrosamento: “Já havia tocado aqui, em 1996, com Paulo Moura. Desta vez, recebi em casa um vídeo com uma apresentação desses ritmistas. Fiz coisas especialmente para a ocasião e, só na semana de ensaios, compus outras três canções”, diz. Em março, o público poderá provar novamente o banquete sonoro. Quem falou que curry não combina com feijoada?