10/12/2003 - 10:00
Nem bem o dia clareou e o trabalhador rural Francisco Pereira da Silva já está de pé para mais um dia de trabalho. Às 4h30 ele entra no ônibus que o leva para o campo, onde fica até as 15h colhendo sementes de guaraná. É uma rotina que se repete faça chuva ou sol. Faz quatro anos que esse cearense de 29 anos trocou Fortaleza (no Ceará) por Presidente Figueiredo, município vizinho de Manaus, no Amazonas. É lá na Agropecuária Jayoro, uma usina encravada na floresta amazônica, que Francisco passa o dia encurvado sobre um guaranazeiro. Sua tarefa é encher um balde de 18 litros com sementes de guaraná. Não passa pela sua cabeça que os 180 mil pés do guaranazal, espalhados por 400 hectares de terra, sejam responsáveis pela produção de um insumo disputadíssimo no mundo dos negócios. Para ele, a semente vermelha que os fabricantes de refrigerantes vêem como matéria-prima preciosa não passa de mais uma das muitas frutas tropicais da região Norte. “Ando sendo assediado por empresas de cosméticos nacionais e estrangeiras, interessadas em comprar parte da nossa produção de guaraná”, comenta Camillo Pachikoski, diretor da Jayoro.
Desde que o estilo ecologicamente correto virou moda, executivos do mundo todo passaram a ficar de olho comprido na biodiversidade da Amazônia e a semente do guaraná virou um must. Se adicionada ao sabonete, por exemplo, é indicada para combater a oleosidade da pele. Essa plantação tão disputada pela indústria de cosméticos é da Coca-Cola, gigante dos refrigerantes. Em 1997, a usina passou do controle dos irmãos Magid (Francisco e Jacob) para a multinacional, numa espécie de arrendamento, o que permitiu que a usina saísse da condição de quase fracasso para se transformar em modelo de produtividade. Sementes altamente resistentes a doenças foram levadas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Usando a técnica de enraizamento de ramos para clonagem do guaranazeiro, a Coca-Cola elevou em mais de dez vezes a produtividade da usina e já começou a colher os bons frutos. Este ano, a empresa comemora sua primeira safra de guaraná: 40 mil quilos de sementes, o que vai significar sua auto-suficiência. Em 2005, a gigante internacional dos refrigerantes espera quadruplicar a produção. “Não somos o maior, mas somos os melhores produtores de guaraná da região”, diz Pachikoski. A provocação é dirigida ao município de Maués, que também fica nas proximidades de Manaus, é conhecido como a cidade do guaraná e vende seu produto para a AmBev (Companhia de Bebidas das Américas). Sua área de produção atinge 2.100 hectares, cinco vezes mais que a Coca-Cola. “Em compensação, em apenas 19% da extensão de nossa plantação conseguimos produzir o equivalente a 72% da produção da concorrência”, diz o executivo.
O projeto da Coca-Cola – que investiu na usina US$ 65 milhões nos últimos seis anos – é transformar Presidente Figueiredo num pólo produtor de guaraná da Amazônia. A pequena cidade, porém, já foi transformada com a parceria. Virou uma espécie de eldorado na Amazônia, com investimentos de US$ 65 milhões nos últimos seis anos, o que leva o município a registrar taxas de crescimento populacional muito acima da média do País, 16%. “O município já tem o segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Estado”, orgulha-se o prefeito da cidade, Romeiro Mendonça (PPS).