Muito diferente de Maysa ou Cazuza, dois exemplos antagônicos nos seus estilos musicais, mas que se encontram na profundidade do sofrimento quando cantam versos dilacerantes de amor, Roberto Carlos nunca colocou matizes de tristeza nas suas canções. Nem mesmo durante ou depois da tragédia que deixou cicatrizes na sua existência com a morte da mulher, da amada amante Maria Rita, vítima de um câncer raro que a levou em dezembro de 1999. “Sempre cuidei para não falar das coisas feias do amor. Tratei de falar do amor na sua forma mais bem-sucedida”, contou ele na quarta-feira 3, durante concorridíssima entrevista coletiva para lançamento de seu novo álbum Pra sempre, o primeiro com canções inéditas desde o CD Roberto Carlos (o de Mulher de 30), lançado em 1996. É um disco no qual as expressões “amo você”, “você é meu amor”, “como eu te amo!” ou “onde o amor é capaz de chegar” pululam em cada estrofe das canções, cinco delas solitariamente compostas por ele. Neste momento, até o amigo de fé, irmão camarada, Erasmo Carlos, não foi aceito na redoma exclusiva do Rei, que precisava fazer brotar seus sentimentos da maneira mais autoral possível.

São músicas que nem de leve se equiparam às das melhores fases criativas do cantor e compositor. Mas expressam e tornam ainda mais público um amor de duração indubitável. Embora escrevendo musicalmente de forma tão positiva, Roberto Carlos não consegue disfarçar a tristeza que ainda teima em vir à tona. Durante a entrevista, quando falava superficialmente das lembranças doloridas que lhe vieram à mente no momento de compor, ele se emocionou. A voz embargou, os olhos ficaram vermelhos e foi obrigado a fazer um esforço hercúleo para não chorar convulsivamente diante das quase 100 pessoas presentes. “A cada final de verso que eu compus, chorei muito”, segredou à platéia silenciosamente respeitosa. As declarações de amor nas atuais composições certamente não vão tomar a forma embrionária de clássicos. Ficaram extremamente iguais nas suas melodias emplastradas de cordas e teclados. Porém, há exceções. Elas são a faixa-título e Acróstico, a música que melhor traduz o momento robertiniano. Mais que a minha própria vida/Além do que eu sonhei pra mim/Raio de luz/Inspiração/Amor, você é assim”, diz a música cujas iniciais de cada verso, conforme o título indica, formam a expressão “Maria Rita meu amor”.

Pra sempre, contudo, também tem seu momento light. É justamente na única inédita feita em parceria com Erasmo Carlos, o blues rock Cadillac, referência imediata e divertida ao sucesso Calhambeque, dos anos 1960, que ajudou Roberto Carlos a escalar o trono de rei. Começou a ser composta em 1998. Foi interrompida pelas circunstâncias e recentemente retomada para integrar o atual disco, cujo master Roberto entregou em julho passado para a gravadora, tranquilizando os executivos da multinacional Sony Music, já que nos últimos anos ele não vinha cumprindo com rigidez os prazos dos seus álbuns programados para o Natal. A operação foi cercada de requintes de segurança. O master saiu do estúdio do cantor – localizado no bairro carioca da Urca, cercado por um intransponível muro de pedra – direto para uma mala forte lacrada com apenas duas chaves, uma do artista e outra da gravadora. Em seguida, depositaram a mala num cofre em local não divulgado para evitar qualquer possibilidade de pirataria.

Técnica – Apesar da linearidade das canções e dos arranjos de Pra sempre, outra vez Roberto Carlos confirma-se um grande cantor. Aos 62 anos, o Frank Sinatra brasileiro ratifica a alcunha exibindo uma voz de boa potência, timbre maduro e superafinado. A preocupação com a técnica, aliás, já entranhou o cotidiano de quem trabalha com o Rei. O gerente de produção Genival Barros, um paraibano há décadas radicado em São Paulo e que trabalha com o cantor desde os tempos da jovem guarda, conta que Roberto é capaz de notar mudanças de acordes quase imperceptíveis. “Quando fazemos a checagem digital, elas realmente aconteceram.” Não à toa, Roberto Carlos e equipe passam entre dez e 12 horas ensaiando e deixando o som próximo da perfeição. “Ele é um cantor romântico, então é importante o equilíbrio das frequências”, diz Barros, também responsável pelo camarim portátil usado pelo artista, com “coisas muito simples”. Mas, afinal, o que são estas coisas tão simples? Não adianta, quando se trata da intimidade do Rei, não há Jesus Cristo ou Nossa Senhora que drible a boa intenção de quem o cerca.