14/12/2005 - 10:00
Há mais de 40 anos o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira está mergulhado no estudo das relações entre os Estados Unidos e o Brasil. Desse trabalho nasceu uma obra profícua, que teve início com o hoje clássico Presença dos Estados Unidos no Brasil, de 1973, escrito quando o autor ainda estava na clandestinidade. O último rebento dessa prole saíra em 2004: As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula). Agora, Moniz Bandeira acaba de publicar Formação do Império Americano. Da guerra contra a Espanha à guerra do Iraque (Civilização Brasileira), uma análise da trajetória e dos mecanismos que fizeram, em pouco mais de 100 anos, os Estados Unidos se transformarem na maior potência de todos os tempos, período em que o “império da liberdade” dos Pais Fundadores da América metamorfoseou-se na “liberdade do império” para atuar no mundo. Doutor em ciência política pela USP, Moniz Bandeira está radicado há dez anos na Alemanha. Em sua passagem pelo Brasil para lançar o livro, ele concedeu esta entrevista a ISTOÉ, na qual afirma que, apesar da pujança de sua economia, o império americano está em declínio e é um gigante com pés de barro.
ISTOÉ – O sr. acredita que os EUA começaram                a atuar como potência imperial
 já a partir da guerra hispano-americana de 1898? 
 Luiz Alberto Moniz Bandeira – Na verdade, a história                dos Estados Unidos, desde 1783, quando terminou a guerra de independência                contra a Inglaterra, é a história
 de sua expansão contínua, primeiro internamente, contra                os índios e mexicanos,
 e depois externamente, como potência imperial. Sob o discurso                do “império da liberdade” dos Pais Fundadores                da América estava o espírito messiânico dos                puritanos, que renovou a tradição judaica de “povo                eleito” e “terra prometida”
 e marcou a formação e a cultura americanas. O período                que vai da segunda
 metade do século XIX até a Primeira Guerra Mundial                (1914-1918), chamado “A Época dos Impérios”,                marca a busca das potências industriais por espaços                econômicos em outros continentes. E os Estados Unidos começaram                a viver esta fase a partir da guerra contra a Espanha, em 1898.                Tendo como pretexto – eles sempre têm um – o afundamento                do navio Maine, supostamente por espanhóis, no porto de Havana,                os EUA fizeram a guerra contra a Espanha para conquistar o que restava                do império colonial espanhol. Naquele conflito, os americanos                incorporaram Cuba, Filipinas, Guam e Samoa. Aí começou                a formação do império americano, a fase da                exportação de capitais. Hoje, depois da queda do comunismo                e da ascensão de George W. Bush, os americanos proclamam                abertamente sua condição de império. E são                mesmo. Qual é a nação no mundo que tem bases                militares e tropas em todos os continentes?
ISTOÉ – Mas pode-se falar de imperialismo na ausência formal de colônias, como as que integravam os impérios britânico ou francês?
 Moniz Bandeira – Justamente, porque o imperialismo é uma coisa muito mais ampla do que o colonialismo. Onde estão as fronteiras dos Estados Unidos hoje? Onde estão as instalações petrolíferas da Standart Oil, onde estão os mercados Wal Mart, onde está qualquer investimento americano estão as fronteiras dos EUA. Para isso, para defender seus investimentos, eles têm que manter soldados em toda a parte. Não é um império igual aos outros do passado – o império romano, o império britânico, que têm características muito diversas. Na verdade, podemos falar, como Karl Kautsky (pensador marxista alemão, 1879-1938, dirigente da II Internacional), num superimperialismo, em que a luta entre os capitais financeiros nacionais dá lugar à solidariedade do capital financeiro globalizado. Este capital financeiro globalizado, sob a liderança dos EUA, se transformou num cartel, e os países industrializados deixaram de competir entre si através de conflitos bélicos. As guerras, para o consumo do material bélico, passam a ocorrer apenas na periferia, nos países do Terceiro Mundo. Isso não quer dizer que o capital financeiro internacional consiga impor uma ditadura global, porque ainda existe resistência. E as contradições entre as potências desse cartel, como entre os EUA e a União Européia, não cessaram de existir.
ISTOÉ – Nesse quadro, existe espaço de manobra para que países emergentes como o Brasil possam jogar com essas contradições e aumentar sua participação no cenário internacional? 
 Moniz Bandeira – Sempre é possível                jogar com essas contradições de interesses no cenário                internacional, embora o Brasil esteja inserido neste mesmo contexto                da economia internacional. Mas o Brasil não pode afrontar                abertamente esse sistema, como fez a Argentina. Como disse o Cristovam                Buarque num artigo recente, não foi a Argentina quem fez                o default (calote da dívida externa), foi o default                que fez a Argentina. Já o Brasil não pode hoje simplesmente                decretar uma moratória, pois nossa economia está globalizada.                Mas nós podemos rejeitar a Área de Livre Comércio                das Américas (Alca), como o fizemos. Isso está dentro                da margem de manobra. Por quê? Porque a Alca não é                uma área de livre comércio, é um sistema de                regras que os EUA querem impor para abrir compras governamentais                e investimentos. O Brasil não tem condições                de investir muito nos EUA, mas eles querem investir muito aqui,                só que nas melhores condições para eles. Mas                nós resistimos e a Alca acabou. Apesar da hegemonia americana,                algumas tendências multipolares permitem contrapontos –                a emergência da China, as contradições EUA/União                Européia. Na América do Sul há espaço                para manobra, desde que os governos saibam se conduzir com autonomia,                não com subserviência.
ISTOÉ – No caso do Iraque, não houve esse espaço de manobra…
 Moniz Bandeira – Além das questões geoestratégicas – controle do petróleo e necessidade de reordenar o Oriente Médio –, o Iraque foi invadido porque os americanos sabiam que eles não tinham nenhum tipo de arma de destruição de massa, como foi apregoado. Senão, por que os EUA não invadiram a Coréia do Norte? Porque eles sabem que aquele país possui armas nucleares.
ISTOÉ – Mas os EUA ainda são a economia mais poderosa do globo…
 Moniz Bandeira – Mas observe, os EUA, com toda sua pujança, não conseguem ter um domínio completo da economia global. A dívida externa dos americanos é mais de dois terços do PIB, US$ 7 trilhões, de um PIB de US$ 11 trilhões. Além disso, eles têm um enorme déficit comercial e fiscal. A China e a Europa estão cheios de dólares; no dia em que eles resolverem colocá-los em circulação, acaba a economia americana. É claro que isso não interessa nem a europeus nem a chineses, porque também prejudica seu comércio. Então, podemos dizer que o império americano, que há pouco vivia em seu apogeu, já apresenta sinais de declínio. Só que não podemos dizer quanto tempo esse declínio vai durar. Hoje, de qualquer forma, o império americano é um gigante com pés de barro.
ISTOÉ – Ainda assim, corre o risco de se                tornar uma ditadura?
 Moniz Bandeira – Existe esse perigo. Veja as violações                dos direitos humanos em Guantánamo, em Abu Ghraib. Mas não                há cultura política para um golpe militar nos EUA;                pode haver uma evolução para um Estado autoritário,                como na Alemanha.
 Hitler não precisou revogar sequer uma linha da Constituição                de Weimar para implantar sua tirania.