O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um viajante. Antes de se mudar para o Palácio da Alvorada, andou o Brasil todo com as Caravanas da Cidadania. Agora presidente, ampliou suas fronteiras, mas continua incansável em suas jornadas domésticas. Em sua 47ª viagem pelo Brasil como presidente da República, Lula passou um dia inteiro no Estado de Alagoas. No dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, o 727 da Presidência da República, levando a bordo o presidente, três ministros, um senador, deputados, assessores e convidados, decolou às 9 horas de uma manhã fria e chuvosa em Brasília. O Sucatinha, como é conhecido o avião presidencial utilizado para curtos percursos, tem uma configuração especial em que sua metade dianteira é reservada para os aposentos presidenciais, que incluem poltronas e mesa de trabalho, e o restante, similar a um avião de carreira, tem duas fileiras de três poltronas para acomodar os convidados do presidente. O Sucatão, que o presidente está usando na viagem ao Oriente Médio, é um barulhento 707 e já tem os seus dias contados: vai ser trocado em 2004 por um Boeing ou um Airbus, o preferido, novinho em folha.

Serviço de bordo – O café da manhã a bordo foi servido por atendentes de terno azul-marinho com as letras PR, de Presidência da República, bordadas no paletó. Os convidados consumiram pão, leite, café, frutas e degustaram um omelete de queijos que remetia a tempos em que as companhias aéreas não estavam em crise. Depois do café, de maneira informal, o presidente veio à cabine dos convidados e conversou com Benedita da Silva, ministra da Assistência Social, com a secretária Especial de Políticas para Mulheres, Emília Fernandes, e com a secretária Especial de Política da Igualdade, Matilde Ribeiro. Bem-humorado, Lula abraçou o deputado petista Vicente Paulo da Silva e bateu papo com o senador alagoano do PMDB, Renan Calheiros, que, com certeza, trocaria o saboroso omelete por uma rápida definição dos dois ministérios prometidos para o seu partido.

Uma hora e cinco minutos depois da decolagem sob chuva em Brasília, o 737 pousou no calor escaldante do aeroporto Zumbi dos Palmares, em Maceió. O avião foi trocado por seis helicópteros que acomodaram a comitiva de Lula, engrossada pelo governador Ronaldo Lessa e assessores e, em uma viagem de 20 minutos, alcançaram a serra da Barriga, em União dos Palmares. Como primeiro presidente da República a pisar no histórico local onde, em 1695, aconteceu o massacre do Quilombo dos Palmares e a morte de seu líder, Lula participou de solenidades, colocou flores na estátua de Zumbi, descerrou placas, assistiu a demonstrações de capoeiristas e, lógico, discursou . Sob um sol escaldante e contida por cordas e seguranças, a pequena multidão que ostentava faixas pedindo emprego e reforma agrária aplaudiu quando Lula disse que “negros e pobres pagam a conta da desigualdade social”. Antes de voltar para o helicóptero, o presidente posou para fotografias. Muitas fotografias. Ricardo Stuckert era o nome mais pronunciado pelo presidente. “Cadê o Stuckinha, cadê o Stuckinha?”, gritava ele, procurando o incansável fotógrafo oficial da Presidência, que estava transmitindo as fotos da solenidade para serem distribuídas para a imprensa. Stuckert faz as fotos e anota o nome e endereço das pessoas fotografadas ao lado de Lula que, mais tarde, religiosamente, recebem pelo correio o disputado mimo. Até o líder do PMDB, Renan Calheiros, entrou na dança e atendeu o pedido de uma fã de Lula que lhe passou a câmera e foi correndo se postar, sorridente, ao lado do presidente. A comitiva voltou para os helicópteros que rumaram para Maceió de volta. Um pequeno contratempo fez um dos aparelhos retornar para a serra da Barriga. Membros da caravana se atrasaram, ficaram para trás e perderam o vôo de volta. O problema é que o helicóptero que voltou para apanhar os retardatários levava a bordo, além do chefe do cerimonial, o embaixador Paulo César de Oliveira Campos – que ficou uma fera com o contratempo – também o ajudante de ordens do presidente, José Cecílio Neto, um simpático e eficiente maranhense de Pedreiras, encarregado de cuidar dos presentes recebidos pelo presidente e também de sua roupa, em viagens. Como a próxima escala do périplo presidencial era um almoço com empresários e políticos no restaurante Castelo da Gastronomia, em Maceió, o presidente faria, antes, uma escala no hotel Ritz, para trocar de roupa. E a roupa acabou chegando atrasada. Passado o mau humor presidencial, Cecílio disse que tudo não passou de acidente de percurso.

No almoço, Lula, lógico, discursou e, evidentemente, posou para fotos. O final da viagem reservava um sobrevôo e uma visita às obras do Canal do Sertão, que, quando pronto, deverá beneficiar 800 mil pessoas com a água captada no rio São Francisco. Em Delmiro Gouvêa, onde está o início do canal, Lula era esperado por prefeitos, imprensa, uma mesa repleta de frutas e pelo MST, contido à distância, que protestava contra a lentidão do processo de reforma agrária. Lula quebrou o protocolo, atemorizou sua segurança e foi em direção aos manifestantes. Cumprimentou as pessoas entre o choro emocionado de mulheres, autografou bonés e reafirmou que “tinha um compromisso com os homens do campo”. O governador Lessa, que precisa de dinheiro federal para terminar as obras do canal, mostrou a Lula exemplares das frutas que serão produzidas na região quando totalmente irrigada e tentou saber do presidente quando as verbas serão liberadas. Lula desconversou e enviou as frutas às crianças do MST.

 

Cartas ao presidente

"Cláudio, onde está o cara que me
deu o mandacaru?" A pergunta foi feita pelo presidente Lula durante sua festa de aniversário em outubro ao historiador Cláudio Soares Rocha, chefe da Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República. “Por que o sr. quer saber, presidente?”, perguntou Cláudio. “Plantei o mandacaru nos jardins do Alvorada e agora o pé está lindo, todo florido (foto). Queria mandar uma foto para ele”, explicou Lula. Responsável desde 1988 pelo controle da correspondência e dos presentes recebidos pelos presidentes da República, o historiador não teve problemas em encontrar, nos arquivos, o nome e o endereço de José Juvenal Ramalho, que no começo do ano tinha dado de presente a Lula um pé de
mandacaru, um cacto típico do Nordeste. A foto já está
nas mãos de Juvenal, morador da Vila Planalto, em Brasília.
O caso é um dos muitos exemplos da preocupação de Lula com o destino das cartas e presentes que recebe. “Nenhuma das dez mil cartas que o presidente vem recebendo, em média, por mês, fica
sem resposta”, afirma. Rocha garante que Lula é o presidente que
mais se preocupa com o tratamento dado aos missivistas. Entre os presentes, somam-se mais de 70 bonés e miniaturas de barcos de pesca. Mas nada que se compare ao mandacaru ou a um torno, com que um torneiro mecânico gaúcho de 85 anos presenteou Lula para “aliviar o stress” do presidente.