Tião Maria mandava no Catumbi dos anos 50. No bairro, da zona norte do Rio, os amigos costumavam se reunir em rodas de samba, cerveja e celebração da vida. Incentivado por esse clima, Tião resolveu fazer um bloco de Carnaval. Só faltava batizar. Uma noite, o líder chegou com o bafo de cerveja misturado a leite-de-onça (bebida feita de leite condensado e rum) e assim surgiu o Bafo da Onça, um dos mais famosos blocos do Carnaval carioca. O grupo inchou, conquistou bairros vizinhos, atraiu foliões da zona sul, teve samba-enredo tocado nas rádios, mas acabou no fim dos anos 80, anêmico com a minguada subvenção da Riotur e com a inauguração do túnel Santa Bárbara, entre Catumbi e Laranjeiras. Este é apenas um dos saborosos casos que compõem Uma história informal do carnaval de rua (Relume Dumará, R$ 23), do jornalista e crítico musical carioca João Pimentel, 33 anos, autor de vários sambas de enredo. O livro conta, em 100 páginas, a história da folia desde os seus primórdios.

Para João, os blocos de rua são o que o Carnaval ainda mantém
de mais legítimo, já que os desfiles das escolas de samba se tornaram megaproduções para turistas. “Os blocos são o Carnaval popular,
onde todo mundo brinca”, observa o autor, cujo samba Ação da
cidadania contra a sede foi escolhido para puxar o Bloco de Segunda (Botafogo, zona sul) com o refrão: “Isso é que dá não beber em eleição. Povo sóbrio fica cego e sai votando em anão.” Se blocos como o famoso Cacique de Ramos nasceram no subúrbio, as novas safras floresceram
na zona sul. Isso porque os antigos se agigantaram, entraram na competição oficial e perderam a representatividade de seus bairros. “Hoje, os melhores estão na zona sul, todos na base da sátira política”, diz João Pimentel. Ele informa ainda ser impossível contabilizar
o número de blocos existentes na cidade.

Enquanto os blocos do subúrbio foram criados a partir de núcleos familiares e da vizinhança, os da zona sul surgiram de movimentos políticos, das turmas de praia e do botequim. No fim dos anos 80 chegou, com fôlego para desbancar a antológica Banda de Ipanema, o Simpatia é quase amor. Seu embrião era a turma do Comitê Tancredo Neves, da torcida Fla-Diretas e da mesma faixa de areia de Ipanema, o Posto 9. Hoje o bloco, querido de Aldir Blanc e de Bussunda, que já foi Rei Momo do Simpatia, reúne uns cinco mil foliões e conta com quase 100 peças de bateria, mais para a bossa nova e a poesia do que para a política.

Irreverência e boa música são a fórmula de sucesso do Suvaco de Cristo, nascido no Jardim Botânico, sob uma linha reta das axilas da estátua do Cristo Redentor, no morro do Corcovado. O bem-humorado título foi pinçado de uma referência de Tom Jobim. O compositor, que morava no bairro, queixava-se de que em sua casa tudo mofava porque ele vivia no sovaco do Cristo. Claro que a Igreja implicou com o nome e um bispo, anônimo, chegou a sugerir Divinas axilas, como lembra um dos sócios fundadores, Jards Macalé. Hoje são três mil componentes a rivalizar com o maior fenômeno de público, o Monobloco, que ganhou fama nacional no Carnaval de 2002 e passou a ostentar status de melhor espaço para a azaração momesca, misturando samba, funk e muito charme.