19/11/2008 - 10:00
Com mais de mil obras de 100 artistas – 17 deles brasileiros -, a Daros-Latinamerica é a maior coleção na Europa de arte contemporânea latino-americana. O acervo começou a ser reunido pela colecionadora suíça Ruth Schmidheiny, no ano 2000, em continuidade à Daros Collection, formada por arte americana e européia da segunda metade do século XX.
O curador alemão Hans-Michael Herzog é o diretor das duas coleções e o responsável pela implantação da Casa Daros, no Rio de Janeiro, um edifício de 12 mil metros quadrados reformado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha e que abrirá suas portas em 2009. A monumentalidade do espaço corresponde à grandeza do projeto: "Dar visibilidade à produção artística latinoamericana", afirmou Herzog à ISTOÉ, por ocasião da abertura da exposição Painted!, em Zurique, que reuniu o artista argentino Guillermo Kuitca, o americano Richard Allen Morris e a alemã Beate Günther.
Crítico em relação ao boom do mercado de arte asiático, Herzog é um otimista quando se fala em Hemisfério sul: "O desenvolvimento do mercado de arte latino-americano é muito saudável, porque está crescendo com estabilidade, passo a passo." Com orçamento regular e um projeto educativo forte, formado por oficinas, residências de artistas, fóruns, seminários, publicações e exposições, a Casa Daros, capitaneada, junto com Herzog, pelo curador cubano Eugenio Valdés Figueroa e a jornalista carioca Isabella Rosado Nunes, aposta no crescimento sustentável do sistema artístico latino- americano.
Hans-Michael Herzog – O público não tem o menor interesse em arte latino-americana. Para ele, alguém chamado Regina Silveira pode vir da Espanha, do México ou do Brasil. É a mesma coisa para a opinião pública, que não faz e não se importa em fazer nenhuma distinção. No atual momento, ter um nome chinês ou mesmo indiano é o suficiente para o mercado. Mas não existe o menor conhecimento sobre o resto do mundo. Chamo isso de arrogância e ignorância.
Herzog – Tanto aqui como nos EUA, as pessoas acreditam que são superiores e que criaram tudo. Portanto, para o público e também para o especialista – meus colegas curadores aqui da Europa – tudo o que tiver sido criado na América Latina tem que ser epigonal, tem que ser imitação, adaptação, cópia da cultura européia. Foi por esse motivo que nossa última exposição, Face to face, foi altamente provocativa. Procuramos, de uma maneira didática, fazer o público entender que é evidente que a América Latina criou seus próprios pensamentos e idéias, como qualquer outro lugar.
Herzog – Sim. Dessa forma, a autonomia dessa produção se torna óbvia. É um absurdo, porque isso deveria estar claro. Mas não estava. Já havíamos feito outras mostras apenas com arte latino-americana, mas teve um público mais restrito.
Herzog – Esse é nosso principal ponto. Queremos educar as pessoas. Ao colocar no mapa a arte contemporânea feita em países latinoamericanos, queremos mudar a história da arte do século XX. A nossa atividade pode ser uma contribuição pequena ou de médio porte para reescrever essa história.
Vamos mostrar a variedade de possibilidades que existem, criar uma base em Zurique para espalhar um conhecimento sobre a América Latina na Europa.
Herzog – Esse é o segundo ponto, o Rio de Janeiro. Nossa plataforma na América Latina será muito importante na política de mudança de consciência de outras pessoas que trabalham no campo da cultura. Generalizando, eu diria que o latino- americano não se vê plenamente quando se olha no espelho. Ele tem um preconceito de ser periférico e inferior. Uma censura o faz pensar que, a priori, falta-lhe algo. Mas isso é totalmente equivocado.
Quero mudar a imagem que o latino- americano tem de si mesmo.
Herzog – Esse aspecto é exatamente igual na Europa. Se você é um artista suíço ou alemão que expôs no MoMA, todos vão falar de você. Antes disso, não. O artista latinoamericano pensa que seus problemas são muito especiais e são só latinoamericanos. Mas as dificuldades são compartilhadas com o resto do planeta e não são especificamente locais. Temos que descobrir juntos quais são os problemas específicos e quais são os problemas de todos.
Herzog – Sim, é uma bienal fantástica. Visitei todas as edições e, honestamente, essa é realmente uma das melhores bienais que já conheci. Consegue manter uma ótima qualidade.
Herzog – Não vou ter tempo. Não entendo por que visitar uma bienal que, pelo que li até agora, apresenta muito pouco para ser visto. É uma bienal de debates e eu, pessoalmente, não preciso mais de debates. Não preciso discutir "por que bienais, sim ou não". Isso é absolutamente entediante e desnecessário. Estive em oito bienais asiáticas este ano e muitos debates foram sobre esse tema.
É uma discussão fútil que nem chega a ser teórica. É apenas acadêmica, um debate acadêmico chato. Para mim, é perda de tempo.
Herzog – Estou interessado em discutir questões importantes. Falar sobre bienais é um assunto secundário, uma questão muito superficial. As pessoas têm discutido as bienais por anos a fio. Não há nada de novo.
Herzog – O que é uma bienal? A Bienal de Veneza foi criada em 1895 apenas por razões turísticas e econômicas. Mas isso ficou para trás e as bienais foram declaradas mortas nos anos 1980. Todo mundo dizia: não queremos mais bienais no planeta, nos moldes da Bienal de Veneza, a primeira de todas. Mas aí o pessoal do marketing entendeu que, com as bienais, você poderia atrair pessoas e fazer dinheiro. E colocar sua cidade no mapa. Mas isso é ridículo.
Herzog – Trata-se de dinheiro e turismo. Nos últimos anos, as bienais ficaram parecidas com as feiras de arte e as feiras de arte ficaram parecidas com as bienais. Uma feira significa vender coisas – sapatos, batatas, peixe. Mas as feiras têm convidado todos os críticos, curadores, os grandes nomes. E o crème de la crème senta-se para debater. Então, a feira de arte está abocanhando uma fatia da bienal. Se você freqüenta as bienais, como fiz agora na Ásia, vê que os negociantes estão nas bienais convidando você para conhecer suas galerias. Por isso tudo, não levo a sério nem as feiras nem as bienais.
Herzog – Minhas viagens não têm nada a ver com prioridades. Tenho que visitar, por motivos profissionais, a Bienal da América Central, em Honduras, porque temos um projeto sobre essa região. Mas o que estou querendo dizer sobre feiras de arte e bienais é que elas têm uma função muito importante na América Latina, onde, por um bom tempo, não existia um mercado de arte. E, sem mercado, é muito difícil sobreviver. Portanto, é positivo, pois tanto a feira quanto a bienal contribuem para a formação desse mercado.
Herzog – O desenvolvimento do mercado de arte latino-americano é muito saudável, porque está crescendo com estabilidade, passo a passo. Este é um ótimo sintoma de um crescimento orgânico.
Herzog – Estava entediado com a arte européia e americana, realmente cansado. Isso foi por volta de 1990, quando comecei a trabalhar e a expor na Espanha. Viajei muito por lá, inclusive pelas Ilhas Canárias, onde há um museu muito interessante chamado Centro Atlântico de Arte Moderna. Eles estavam lidando na época com a conexão entre África, América Latina e Europa. Conheci pessoas que me abriram os olhos.
Herzog – Adoro escrever, mas acho que seria uma atitude arrogante e mesmo imperialista se o fizesse neste momento. Os artistas latinoamericanos têm tanto a dizer que seria uma estupidez não lhes dar a palavra. Portanto, quero que as pessoas os escutem, e não o que diz o curador. O curador tem seu lugar no jogo, mas não deveria levar-se tão a sério. Os artistas são muito mais importantes. São eles que criam os trabalhos. Eu definitivamente odeio essa idéia, em prática nos últimos 20 anos, de que os curadores são mais importantes.
Herzog – A partir dos trabalhos, eles tentam estabelecer uma idéia, que chamam de teoria. Mas isso não tem nada a ver com teoria. Eles colecionam trabalhos para ilustrar suas idéias, o que aos meus olhos é errado. Tento entender o artista através de seu trabalho e então, a partir disso, elaboro uma idéia para uma exposição. E não o contrário. Chamo meu modo de "indutivo" e o outro "dedutivo". E isso é exatamente o que queremos fazer na educação da Casa Daros. Não queremos ser os donos da verdade.