22/01/2003 - 10:00
O primeiro funcionário público exonerado no governo Lula
durou quatro dias no cargo.
O empresário Sérgio José de Souza, dono de uma empresa
de consultoria em Uberaba, no Triângulo Mineiro, foi nomeado assessor especial do novo ministro dos Transportes, Anderson Adauto, seu amigo e conterrâneo, na sexta-feira 10. Com a repercussão do “Dossiê Iturama”, revelado semana passada por ISTOÉ, o Diário Oficial da União publicou seu desligamento do Ministério “a pedido”. A reportagem aponta
um rombo de R$ 4 milhões na Prefeitura de Iturama (MG), envolvendo empresas fantasmas, falsificações e os nomes de Adauto, na época deputado estadual do PMDB, e do então prefeito Aelton José de Freitas, hoje senador do PL. Sérgio de Souza, que trabalha com Adauto desde 1986, era um dos sócios da CPA, Construtora Planejamento
e Assessoria Ltda., empresa que fez também contratos generosos
com a prefeitura de Aelton Freitas.
O conteúdo da denúncia fez acender a luz amarela no Planalto, que tomou certas providências. Excluiu Adauto da viagem que o presidente Lula e o Ministério fizeram às favelas de Teresina e Recife na sexta-feira 10, quando ISTOÉ já estava nas bancas. Adauto, que fazia parte da comitiva divulgada oficialmente no dia anterior, não viajou porque tinha reuniões “aqui no Ministério”, explicou um funcionário. Mas o que vazou é que o presidente Lula teve um seco diálogo com Adauto, que o procurou já na sexta-feira, tentando antecipar as explicações. “As denúncias, no todo ou em parte, são verdadeiras?”, perguntou Lula, sem rodeios. “Vou demonstrar que são infundadas”, prometeu Adauto. “Você está dizendo que prova, então prove! Se você não pode provar, é melhor sair”, sugeriu o presidente. Apesar da gravidade da conversa, o ministro pediu um tempo para as respostas. Segundo um dos interlocutores de Lula, Adauto trafega na corda bamba. “Se fosse do PT, ele já estaria demitido. Mas como é de outro partido, vamos aguardar os esclarecimentos, para não parecer que buscamos pretexto para tirar um aliado. Ele, como todo mundo, tem a presunção da inocência. Se não conseguir provar, sairá. Não há prazo para isso, só o do bom senso”, revela o colaborador do presidente. Até o presidente do PL, Valdemar Costa Neto (SP), jogou a toalha num desabafo com um amigo: “Derrubaram o Anderson.”
Quando subiu na boléia do Ministério dos Transportes, Anderson
Adauto não deixou seus velhos companheiros na estrada. Carregou
-os na caçamba. Sérgio José de Souza, que sobrevivia no cargo
de assessor na Assembléia Legislativa de Minas desde 1987, só foi exonerado no dia 9 de janeiro deste ano. No dia seguinte, estreou com destaque no Diário Oficial da União no invejado cargo de assessor especial do ministro. Já Rômulo Figueiredo, o outro sócio da CPA e também funcionário de Adauto na Assembléia mineira, ficou na sombra. Mas ganhou uma poltrona VIP no Ministério.
Dúvida – Dos três sócios oficiais da CPA – Sérgio, Rômulo e Clodoaldo Soares – dois já estavam instalados dentro do governo. Pelo ofício 008, de 7 de janeiro de 2003, ao qual ISTOÉ teve acesso, o ministro nomeou Rômulo Figueiredo como membro da equipe responsável pela transição da diretoria do estratégico Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes, o antigo DNER. A assessoria do ministro negou a nomeação durante a semana. Ao ser confrontado com o documento, Adauto confirmou a indicação e improvisou o afastamento “desde a sexta-feira 10”. Mas é Rômulo quem aparece carregando a pasta do amigo Adauto, no saguão de entrada do ministério, na foto de André Dusek feita na terça-feira 14.
As ligações do ministro com o trio não são recentes. Adauto engatou as primeiras marchas na política como chefe de gabinete do prefeito de Uberaba, Wagner do Nascimento, em 1983. Seus bons companheiros também estavam na primeira classe. Clodoaldo Soares, sócio da CPA e beneficiário como pessoa física de R$ 115 mil em pagamentos irregulares da Prefeitura de Iturama, era o secretário de Fazenda. Sérgio José de Souza ainda era um obscuro burocrata da prefeitura quando Rômulo Figueiredo já desfilava como secretário de Administração.
Apesar de o parecer do Ministério Público, usado por Adauto em sua defesa, ressaltar que “a única relação existente entre o ministro Anderson Adauto e uma empresa citada na matéria é o fato de que, coincidentemente, ele foi locatário de imóvel anteriormente alugado pela tal empresa”, as relações do ministro com os amigos da CPA são menos casuais. Na terça-feira 14, o jornal Estado de Minas publicou uma carta de 1997 do então deputado estadual Anderson Adauto à Prefeitura de Tapira, no Triângulo Mineiro. Ele afirmava não ser necessária licitação para que o município contratasse a empresa para prestação de serviços. Adauto alegou que esse tipo de correspondência era “rotina”, embora Sérgio de Souza acumulasse funções: dono da CPA e funcionário do gabinete do então deputado.
As empresas acusadas pela CPI de Iturama de participar de desvios de verbas públicas e de ocupar o mesmo escritório do ministro são a Construtora Triangulina de Obras (CTO), a Líder Engenharia, a Coem, Construtora e Estruturas Metálicas Ltda. e a CPA. Esta última, conclui a CPI, prestou uma consultoria fictícia e recebeu R$ 260 mil nos últimos 12 dias da gestão do então prefeito Aelton José de Freitas. O contrato, sem licitação, foi assinado por Aelton, Sérgio e Rômulo Figueiredo, estes dois sempre muito próximos a Adauto.
Os cheques mais polpudos emitidos em favor da CPA foram sacados
na boca do caixa pelo próprio Sérgio, entre eles um de R$ 80 mil
da Caixa Econômica Federal. Se depender de notas fiscais, o terceiro sócio da CPA, Clodoaldo Soares, é um viajante compulsivo e glutão.
Suas incursões para fazer negócios em Iturama eram pagas pela prefeitura. Entre 25 de março e 11 de novembro de 1996, foram
gastos mais de R$ 15 mil com hospedagens de funcionários no
modesto hotel Oliveira, centro da cidade, que cobra hoje R$ 26 a diária. Pelo valor apresentado, Clodoaldo poderia morar no Oliveira 576 dias, ou seja: 1,7 ano e um dia. As notas de empenho de outubro de 1996 relacionadas à alimentação mostram que ele devorou 737 refeições
em um mês. Ou mais de 24 por dia.
Impasse – A relação do governo Lula com Adauto pode azedar ainda mais com o surgimento de novos documentos mostrando as ligações
do ministro com os donos da CPA. Adauto distribuiu cópias de uma decisão da Justiça que o exclui das investigações, mas não isenta de processo o senador Aelton Freitas e os sócios da construtora. A Justiça tomou por base declaração de uma imobiliária de Uberaba segundo a qual Adauto apenas sucedeu, no aluguel de salas no centro da cidade, as empresas envolvidas no Dossiê Iturama. O Ministério Público de Minas havia dito na ocasião que a coincidência foi uma “infelicidade do nobre deputado” e afirma que a “única ligação” do ministro com os fatos se restringe à locação das salas. Mas, agora, o processo pode ser reaberto a pedido de outro procurador, Gilvan Franco. Ele quer que a Procuradoria Regional da República investigue a relação de Adauto com a CPA por acreditar que a ligação entre os dois vai além da coincidência de salas.
A advogada do ministro, Marlene Dutra, garante: “Ele alugou a sala
em junho de 1995, após esse pessoal sair.”
Em entrevista a ISTOÉ, o ministro negou que tenha ocupado o prédio ao mesmo tempo que as empresas que atuaram no rombo. Um documento obtido pela reportagem no cartório de Uberaba mostra o contrário. A
CPA e o escritório de Adauto funcionaram lado a lado no mesmo edifício
e no mesmo período em que pipocavam as fraudes em Iturama: segundo semestre de 1996. Uma procuração da CPA, assinada por Sérgio e
Rômulo Figueiredo, de 19 de setembro de 1996, atesta a vizinhança na rua São Benedito, 52. Adauto já estava lá, conforme declaração apresentada por ele próprio. O contrato irregular de R$ 260 mil da Prefeitura de Iturama com a CPA é de 19 de julho de 1996. Época em
que Sérgio era funcionário do gabinete de Adauto na Assembléia, conforme documento levantado por ISTOÉ.
VERSÃO MINISTERIAL
Na quinta-feira 16, o ministro dos Transportes, Anderson Adauto, recebeu a reportagem de ISTOÉ. Falou sobre as denúncias da
CPI de Iturama e também sobre o ofício no qual ele indica Rômulo Figueiredo, outro sócio da CPA, para trabalhar na comissão de transição da diretoria do DNIT.
ISTOÉ – O que o sr. tem a dizer sobre a CPI da Câmara de Iturama que envolveu seu nome?
Anderson Adauto – Eu estranhei. Não tomei conhecimento de tudo, só peguei aquela parte minha. Conversei com o presidente da CPI, apresentei a documentação. Havia alugado aquelas salas porque estavam a cinco quadras do centro da cidade e o aluguel era muito mais barato. Mas entrei nas salas num período diferente daquelas empresas, uns três meses. O Ministério Público entendeu e mandou para o Judiciário o pedido de arquivamento. E o juiz concordou. Foi só isso a minha participação na CPI. Quanto a conhecer o pessoal que estava nas salas antes, Uberaba é uma cidade pequena, a gente conhece praticamente todo mundo.
ISTOÉ – Inclusive o Sérgio José de Souza, dono da CPA?
Adauto – Fizemos faculdade juntos. Depois, ele coordenou minha primeira campanha (1986) e, no meu primeiro mandato, foi para
Belo Horizonte. Logo depois ele pediu para sair. Queria começar
um negócio. Como precisava de alguém que cuidasse das coisas
para mim no interior, eu deixei ele ir.
ISTOÉ – Ele trabalhou no seu gabinete na Assembléia?
Adauto – Trabalhava do ponto de vista formal de 1987 até agora.
Mas ele ficou fisicamente fora da Assembléia um bom tempo, prestando serviço no interior.
ISTOÉ – Por que o sr. agora afastou o Sérgio do Ministério?
Adauto – Ele me falou sobre duas questões: a política e a
jurídica. Garantiu que nada tem a ver com as irregularidades
mostradas na CPI e que vai provar na Justiça. Mas achou que politicamente não seria bom continuar.
ISTOÉ – Outros sócios das empresas foram seus funcionários?
Adauto – O Rômulo Figueiredo trabalhou comigo quando
fui presidente da Assembléia.
ISTOÉ – E aqui no Ministério, ele está fazendo o quê?
Adauto – Ele não está trabalhando aqui.
ISTOÉ – Temos um ofício do seu gabinete que cita o Rômulo.
Adauto – Mas ele não chegou a ser indicado pelo gabinete.
ISTOÉ – O nome dele está aí…
Adauto – Eu estou falando do ponto de vista formal.
ISTOÉ – Este ofício é uma indicação formal.
Adauto – Este documento foi feito, ele é real. Dois nomes têm uma relação funcional. Esses outros viriam para tomar conhecimento e ver se depois seriam utilizados.
ISTOÉ – Eles viriam para o Ministério como?
Adauto – Ele (Rômulo) trabalhou comigo na Assembléia analisando documentos. Eu falei para ele: “Vou receber um monte de documentos e queria que você analisasse.”
ISTOÉ – Qual foi a última vez que o Rômulo esteve aqui?
Adauto – Na quinta-feira (9) ou sexta-feira (10). Eu o afastei. A partir do momento em que o Sérgio foi citado por ser sócio da CPA,
é óbvio que com o Rômulo seria a mesma coisa.
Antônia Márcia Vale