05/12/2001 - 10:00
O governo vai anunciar em breve duas notícias relativas ao setor elétrico, uma ruim e outra pior ainda: a luz vai continuar escassa, só que mais cara. O pacotão natalino vinha sendo discutido a portas fechadas entre os representantes do setor elétrico e a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE), mas, na última semana, o presidente do BNDES, Francisco Gros, abriu o jogo. O governo pretende dar financiamento às distribuidoras e geradoras de energia elétrica, que alegam perdas com o racionamento. Como? Simples. O BNDES empresta o dinheiro, o setor elétrico fica feliz e o consumidor paga a conta.
Nas negociações entre as partes, ficou parcialmente acertado um aumento de tarifas, ainda não definido, que deverá vigorar nos próximos dois ou três anos. A proposta está em fase de gestação e, se depender de alguns setores da sociedade civil, será abortada antes mesmo de nascer. “A idéia é tecnicamente imoral. O governo está protegendo a inadimplência e a incompetência”, diz o vice-diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação da UFRJ (Coppe), Luiz Pinguelli Rosa. O físico está decidido a apelar ao Ministério Público Federal. “Vamos entrar na Justiça contra esse absurdo completo.”
Não é de hoje que ele e os técnicos da Coppe recorrem ao Poder Judiciário para impedir determinadas medidas oficiais. “Não foi só o setor privado que perdeu. O consumidor também está sendo prejudicado, está pagando por uma energia que não está recebendo”, avalia Pinguelli. Na verdade, o consumidor vai perder ainda mais: para que as concessionárias possam pagar ao BNDES, o governo planeja aumentar as tarifas.
Do outro lado, o diretor-executivo da Associação Brasileira das Concessionárias de Energia Elétrica, Ariovaldo Garcia, classifica esse financiamento como legítimo. “Assinamos contratos e não estamos tendo condições de cumpri-los por causa do racionamento”, justifica. De julho até agora, segundo cálculos da entidade, as distribuidoras acumulam um prejuízo de R$ 6 bilhões, enquanto as perdas das geradoras são da ordem de R$ 2 bilhões. No momento em que o ministro Pedro Parente, nomeado para ser o xerife da crise energética, anunciava o plano de racionamento, o setor elétrico já começava a se articular debaixo dos panos contra essas futuras perdas. Passados cinco meses do início do racionamento, fica claro que o ônus financeiro da crise energética vai ser mesmo pago pelo consumidor final.
Presente desde o início das negociações, só agora o BNDES decidiu pronunciar-se. É que caberá a ele abrir seu cofre para financiar o setor elétrico. “Buscamos viabilizar um amplo entendimento do setor para que se possa colocar o mercado para funcionar e retomar os investimentos”, comentou Francisco Gros, presidente do BNDES, em recente entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Ele está convencido de que o governo deve evitar que as empresas do setor elétrico venham a brigar na Justiça por perdas financeiras. O temor do governo é que as empresas e os investidores estrangeiros paralisem os investimentos, agravando mais a crise energética.
Ninguém quer ainda falar em números, mas alguns executivos do setor elétrico arriscam palpites. Fala-se, por exemplo, num financiamento de R$ 4 bilhões para as distribuidoras e de R$ 1 bilhão para as geradoras. Outros, como é o caso do Banco Brascan, acreditam em algo em torno de 80% de financiamento para cobrir o prejuízo das empresas elétricas. Resta saber quanto isso vai representar em termos de reajuste na conta de luz. Quanto maior for o financiamento, maior será o aumento da tarifa e mais alta a inflação. Se for tomado por base o IPCA – índice calculado pelo IBGE que leva em consideração os gastos daqueles que ganham entre um e 40 salários mínimos –, esse peso será de 3,25%.
Antes mesmo de receber esse apoio financeiro de pai para filho, a inflação elétrica já vinha superando a oficial. Nos últimos cinco anos, o IPCA acumulado foi de 75,6%, enquanto a inflação elétrica bateu na casa dos 194,3%. Apesar disso, as empresas elétricas continuaram reclamando de prejuízos. Ao transferir as empresas elétricas para os braços privados, o governo pensou ter encontrado a solução para todos os males. De julho de 1995 a novembro de 2000, foram vendidas 23 empresas do setor elétrico. Foram arrecadados US$ 29,7 milhões e o problema continuou. “Quando privatizou o setor, o governo priorizou o ágio, e não quem oferecia tarifa mais baixa. Os investidores colocaram a mão no bolso e agora querem recuperar seus gastos”, diz Ariovaldo Garcia, da Associação Brasileira das Concessionárias de Energia Elétrica. Para não afugentar investidores, o governo parece que vai recorrer a uma receita antiga e perversa: repassar a conta para o consumidor.