A Colômbia não é aqui, mas pelo jeito o Brasil corre o risco de seguir o triste exemplo do vizinho. Como se não bastasse a onda crescente de crimes comuns, as ameaças, as emboscadas e os assassinatos de caráter político estão cada vez mais frequentes. A banalização da violência ameaça governadores, prefeitos, deputados, vereadores, dirigentes partidários, sindicalistas, representantes de movimentos sociais e de ONGs, além de trabalhadores rurais e suas lideranças no campo, que sempre foram alvo fácil de policiais e pistoleiros, a mando de fazendeiros. Agora, surgem até jeitinhos para escamotear a violência: assassinatos por motivos políticos começam a ser apresentados pela polícia como assaltos seguidos de homicídio.

Sangue na disputa de poder não é novidade. O que chama a atenção é o envolvimento, segundo o PT, do crime organizado e do narcotráfico nos casos de violência política. Afinal, os tentáculos destes grupos mafiosos estão cada vez mais emaranhados nas estruturas de poder locais. O fantasma da violência no estilo colombiano assombrou São Paulo na segunda-feira 3, quando o empresário Eduardo Capobianco sofreu um atentado. Ele levou tiros na perna de dois motoqueiros. Escapou da morte porque se protegeu com sua pasta. Conhecido militante da luta contra a violência e a corrupção, Capobianco preside o Instituto São Paulo contra a Violência e a ONG Transparência Brasil, que trabalha pela ética na política. “Tenho certeza absoluta de que queriam me matar a serviço de alguém. Não podemos imaginar e nem aceitar que o crime vá tomar conta de nossas vidas. Não quero morar num país acuado e não quero me mudar do Brasil”, desabafou.

Cartas – Os petistas também sentem na pele a onda de violência. O sinal de alerta veio com o assassinato do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, no dia 10 de setembro. Ele contrariou interesses de grupos locais ligados ao crime organizado. A polícia civil prendeu quatro homens e concluiu que eles haviam tentado assaltar o prefeito. Três dos quatro acusados confessaram, mas depois voltaram atrás, afirmando que haviam sido agredidos para admitir o crime. A polícia nega que os presos tenham sido espancados, mas a investigação ficou sob suspeita. Eles foram soltos por ordem judicial. Não havia provas. Dois meses depois da morte de Toninho, prefeitos e vereadores petistas passaram a receber cartas ameaçadoras assinadas por um grupo que se auto-intitula Frente de Ação Revolucionária Brasileira (Farb), que assume o assassinato do prefeito de Campinas. O nome do prefeito de Ribeirão Correntes (SP), Aírton Luiz Montanher, encabeça a lista de destinatários de uma primeira carta da Farb. Justamente ele foi o primeiro a sofrer um atentado. Na noite do dia 11 de novembro, três homens armados e encapuzados entraram na sua fazenda. “Ouvi um barulho e liguei para a polícia. Eles disseram para o caseiro que queriam buscar a minha cabeça. Não tenho idéia de quem poderia ter feito isso. Não tenho inimigos”, contou o petista. Uma segunda correspondência foi enviada dias depois para vários prefeitos, com a explicação: “Só coincidimos o primeiro crime com a primeira cidade para vocês verem que não estamos de brincadeira”.

Explosões – No dia 12 foi a vez de o prefeito de Catanduva (SP), Félix Sahão, também do PT. A casa onde ele viveu até o fim do ano passado, hoje habitada por sua sogra, foi atingida por quatro tiros. O maior susto, no entanto, aconteceu em Embu das Artes (SP), no dia 28. As casas do prefeito Geraldo Cruz e de seu secretário de governo Paulo Gianini foram atingidas por explosões de duas bombas caseiras. O prefeito sofreu ferimentos leves. “Na véspera, uma pessoa me disse que eu corria risco de vida e que grupos de perueiros e taxistas estavam insatisfeitos com medidas que contrariaram seus interesses”, contou Cruz. Segundo o presidente do PT estadual, Paulo Frateschi, cerca de 50 prefeitos e vereadores receberam cartas nas últimas semanas. “Estamos todos muito ameaçados. Se a gente pelo menos soubesse a motivação do assassinato de Toninho, teríamos como agir”, lamentou a prefeita de Campinas Izalene Tiene.

A onda de violência levou o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu, a entregar ao ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, na quinta-feira 6, uma lista com os casos de violência cometidos contra integrantes do PT desde 1998: foram 12 assassinatos, 15 atentados, 18 agressões e 52 ameaças de morte, inclusive para o governador do Acre, Jorge Viana, e para o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues. As viúvas Roseana Alves, de Toninho, e Margareth dos Santos Augusto, do sindicalista Aldamir dos Santos, também estiveram com o ministro. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Energia Elétrica, Aldamir foi morto a tiros, em Bangu (RJ), no último dia 25. Como no caso de Toninho, a polícia concluiu que houve tentativa de assalto seguida de homicídio. “O ministro prometeu que a Polícia Federal vai investigar o caso da Farb, mas disse que os demais crimes continuarão sendo apurados pelas polícias estaduais. Estamos indignados. O governo federal tem que tomar uma providência antes que seja tarde. Ficou evidente que o crime organizado e o narcotráfico começam a realizar atentados”, observou Dirceu.

O secretário de Direitos Humanos do PT, deputado Nilmário Miranda, alerta que o Estado não pode deixar que as regras do jogo democrático sejam violadas. “Na Colômbia, o narcoterrorismo persegue e mata quem os enfrenta. É preciso haver um trabalho de inteligência para cortar o mal pela raiz”, opinou. No meio rural, a violência política está enraizada. Se em 2000 morreram 21 trabalhadores, neste ano já foram assassinados 28 em conflitos por terra, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Tida como a região mais violenta do País, o sul do Pará é terreno fértil para pistoleiros. Circula no Estado uma lista com nomes de 22 pessoas marcadas para morrer. Quatro já foram eliminadas. O coordenador do MST, Raimundo Nonato, também está na lista. “Não saio de casa à noite e nunca ando sozinho. Aqui há empresas criadas exclusivamente para matar”, conta.

Segundo a CPT, denúncia sobre a violência e a impunidade no Pará será feita à Organização das Nações Unidas, à Organização dos Estados Americanos e à Comissão de Direitos Humanos da União Européia. No campo, a tentativa de esconder crimes políticos também se tornou comum. Liderança sindical na região da Transamazônica, Ademar Alfeu Frederick foi morto a tiros, em sua casa, no dia 25 de agosto. Embora nada tenha sido roubado, a polícia paraense afirmou que Ademar fora vítima de latrocínio. Ele era uma das principais testemunhas de acusação dos desvios de verbas da Sudam e responsabilizava o ex-senador Jader Barbalho pelas falcatruas. “Certamente essa morte nada teve a ver com uma tentativa de assalto”, desafia o advogado da CPT, Carlos Guedes. O mesmo pode ser concluído a respeito de outras mortes.

As vítimas

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados preparou um dossiê que mostra o aumento dos crimes por motivação política no Brasil. O documento, entregue, na quinta-feira 6, ao ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, pelo presidente nacional do PT, José Dirceu, relaciona os casos de violência contra integrantes do partido de 1998 a 2001. Foram 12 assassinatos, 15 atentados e 52 ameaças de morte. Esta é a lista de prefeitos, vereadores, sindicalistas e militantes petistas assassinados em todo o País até novembro deste ano:

Ariomar Oliveira Rocha – Vereador de Jaguarari (BA), em 1998.

Pedro Carlos dos Santos – Vereador de Candeias (BA), em 1998.

Dorcelina Folador – Prefeita de Mundo Novo (MS), em 1999.

Vianey Ferreira Campos – Militante de Itinga (MG), em 2000.

José Ribamar de Souza Gondim – Vice-presidente do PT de Coruripe (AL), em 2000.

Marcos Otávio – Presidente da Associação Brasileira de Enfermagem, no Rio de Janeiro, em 2000.

Edma Valadão – Presidente do Sindicato dos Enfermeiros, no Rio de Janeiro, em 2000.

Edson Soibert – Candidato a vereador em Santa Terezinha (SC), em 2000.

Manoel Maria de Souza Neto – Militante do PT de Suzano (SP), em 2000.

Ademir Alfeu Fredericci – Coordenador do Movimento de Entidades pelo Desenvolvimento da Região Transamazônica, em agosto de 2001.

Antônio Costa dos Santos, o Toninho – Prefeito de Campinas, em setembro de 2001.

Aldanir Carlos dos Santos – Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Energia Elétrica (Sintergia), no Rio de Janeiro, em novembro de 2001.