Nem mesmo o Conselho Nacional Iraquiano – uma colcha de retalhos
de políticos escolhidos a dedo pelo Pentágono – aguenta mais a administração americana no Iraque. Querem a passagem rápida do
poder exercido pelos Estados Unidos no país para mãos nativas. A desenfreada carreira que levou o administrador americano, Paul Bremer III, de Bagdá a Washington, na semana passada, dá mostras dessa urgência. Em sua bagagem, ele levou esboços de planos para eleições antecipadas – possivelmente em meados de 2004 – e a entrega dos negócios de governo aos futuros escolhidos via voto.

A pressa de agora já vem tarde. Não há mais dúvidas de que se enfrenta no Iraque uma guerra de insurgência, e não apenas atos terroristas, como vinha proclamando com insistência o governo George W. Bush.

Atos terroristas, na definição militar deste país, envolvem basicamente baixas civis. O que se tem no Iraque é uma guerra de atrito, organizada e com algum apoio da população”, diz o senador republicano John McCain, que apoiou a invasão do país, mas tem sido um crítico cada vez mais estridente da política americana no local. Das mãos de Bremer, o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca também recebeu um relatório do escritório da CIA em Bagdá dando conta de que aumenta o apoio da população em geral às operações dos rebeldes. Segundo o comandante das tropas americanas que ocupam o Iraque, John Abizaid, os inimigos dos Estados Unidos não passam de cinco mil pessoas, mas fazem muito estrago. “Esse número pode parecer pouco, mas são
inimigos muito perigosos, bem armados e financiados”, afirmou o
general. São mais de 30 atentados diários sofridos pelas tropas da coalizão. Na quarta-feira 12, por exemplo, em um destes atentados,
na cidade de Nassíria, 26 pessoas morreram. Um caminhão-bomba
demoliu o quartel-general das tropas italianas, ferindo 105 pessoas e matando nove iraquianos e 17 soldados da Itália, o maior número de baixas de membros não-americanos das forças de ocupação. Os estilhaços desta bomba chegaram até o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. Ele, que já enfrentava oposição à participação de seus compatriotas no imbróglio iraquiano, corre agora o risco de colher o voto de desconfiança do Parlamento italiano.

Berlusconi não é o único que está correndo o risco de perder o emprego. Toda a cúpula neoconservadora do Pentágono, composta de liderança civil encabeçada pelo secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, vem sofrendo bombardeio. Os petardos vêm desde a oposição democrata, passando por membros do Partido Republicano, e desembocam na própria Casa Branca. Há três semanas, a conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, já havia ocupado muito espaço de Rumsfeld no planejamento do pós-guerra no Iraque. O plano de Bremer, aprovado agora pelo Conselho de Segurança Nacional, pretende entregar o governo iraquiano para um conselho provisório de políticos locais. Em meados de 2004 seriam realizadas eleições para a escolha de lideranças definitivas. Ainda não se bateu o martelo sobre a retirada de tropas de ocupação. Caso isso não aconteça, os atentados deverão continuar e a segurança do país permanecerá insustentável. “Bush sabe que não pode retirar as tropas em curto espaço de tempo. Primeiro, porque isso seria equivalente ao reconhecimento de derrota. Segundo: não se sabe quem será eleito. Corremos o risco de que a maioria xiita ocupe o governo e tente instalar um regime teocrático islâmico no local. A situação não seria aceita pelos sunitas, curdos e outras etnias nacionais. Quem ganhar as eleições terá nas mãos caneta, tinta e papel para escrever a Constituição que quiser para o país”, diz o senador McCain. Ou seja: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Imaginava-se nos corredores do Pentágono que uma Constituição deveria ser escrita e aprovada pelo Conselho Nacional Iraquiano – que, a bem da verdade, não fez nenhum progresso sequer conseguiu entendimento entre seus membros. Bremer, que vive o cotidiano explosivo na região, sabe que não há tempo para exercícios de literatura constitucional. Está cada vez mais claro que a comunidade internacional estava com a razão em recomendar a entrega da rapadura aos iraquianos. “O que parece que vão tentar agora é aquilo que Sérgio Vieira de Mello já havia dito há meses, e que o secretário-geral, Kofi Annan, continua insistindo. O problema é que, agora, pode ser tarde demais”, diz uma fonte diplomática francesa na ONU, em Nova York. A pressa, inimiga da perfeição, neste momento pode não ter mais serventia para iraquianos e americanos.