19/11/2003 - 10:00
A maior desigualdade brasileira ocorre na educação, gerando um apartheid social contínuo que exclui cerca de 70% da população de melhores oportunidades de emprego e salário por falta de uma educação adequada. A tese é do ministro da Educação, Cristovam Buarque, que prepara uma revolução capaz de, até 2015, mudar o quadro caótico do ensino no País. Segundo Cristovam, para se educar um filho dos quatro aos 25 anos, indo da pré-escola à universidade, um brasileiro de classe média gasta, em recursos
próprios ou do Estado, de R$ 240 mil a R$ 250 mil. Isso é o custo
médio das escolas particulares na educação básica e no ensino médio, somado ao que o governo gasta por aluno nas universidades públicas, frequentadas em sua maioria pela elite e pela classe média. Já os
pobres, confinados às redes públicas municipais e estaduais, com qualidade de ensino crítica, gastam, ou custam, 80 vezes menos. “O resultado disso é que 28% da população escolar não completa a quarta série. E nada menos que 73,1% dos brasileiros não concluem o ensino médio. Sem falar nos 20 milhões de maiores de 15 anos analfabetos e
nos quase 30 milhões de analfabetos funcionais, que conhecem as letras mas não lêem frase, não lêem idéias. Vamos mudar esse quadro absurdo de qualquer maneira”, afirma o ministro.
Os planos são ambiciosos. Primeiro, Cristovam quer terminar com o que considera a causa básica dos problemas da educação: a falta de um sistema nacional que estabeleça currículos mínimos para todo o País e exija um nível de formação semelhante dos professores. “Temos moeda única, sistema judiciário único, sistema financeiro único. Conseguimos até um sistema de saúde único. Mas na educação cada Estado, cada município é livre para estabelecer suas próprias regras. Isso não existe em nenhum lugar civilizado do mundo”, ataca. O Sistema Nacional de Educação que o MEC prepara, além de criar um padrão comum, vai aumentar em um ano a duração do ensino básico e em um ano a do ensino médio. Além disso, as crianças irão para a escola assim que completarem quatro anos de idade, para dois anos de maternal. “A primeira série começará aos seis anos e o ensino básico terá nove anos de duração”, afirma. O ensino médio, além de passar de três para quatro anos, terá também caráter profissionalizante. Para garantir os recursos necessários, Cristovam vai criar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério), que dará recursos para a rede pública atender alunos dos quatro aos 18 anos (do maternal ao final do ensino médio).
Analfabetismo – Com relação ao analfabetismo, o ministro pretende reduzi-lo a no máximo 5% da população até o final de 2006 (100 anos depois de a Argentina ter praticamente erradicado o analfabetismo no país) com programas de parceria entre o governo e a sociedade. O encarregado da tarefa é João Luiz Homem de Carvalho, secretário extraordinário para a erradicação do analfabetismo. “Vamos ter cinco milhões de adultos fazendo o curso de alfabetização no ano que vem, um aumento de dois milhões em relação a este ano”, anuncia. Ele destaca como inovação um cadastro nacional dos alunos. “Esse cadastro nos dará uma ampla gama de dados sobre os alunos e permitirá um controle da eficiência da alfabetização, como, por exemplo, saber se um aluno prosseguiu com os estudos”, garante Carvalho. Os recursos para a tarefa virão do Orçamento da União, R$ R$ 200 milhões já certos que poderão até dobrar com emendas dos parlamentares. Todos os três milhões de alunos dos cursos do governo terão que, no final, mandar ao Ministério uma carta contando sobre sua experiência em deixar de ser analfabeto. O MEC fará também uma avaliação, por amostragem in loco, em seus alunos e nos dois milhões a cargo de instituições como o Alfabetização Solidária.
Cristovam reconhece que para tudo dar certo é preciso não apenas mexer nos currículos e ampliar os anos de estudo. Uma das variáveis que ele considera fundamental é o professor. “O professor tem que ter a cabeça bem formada, o coração bem motivado e o bolso bem remunerado. Sem esses três aspectos atendidos, não tem jeito”, garante. Por isso, o governo prepara uma Rede Nacional de Formação do Professor, que funcionará a partir das universidades, dentro do conceito de formação continuada. Além disso, será instituído o piso salarial nacional e os professores receberão um certificado federal, através de um exame nacional, opcional, que dará aos aprovados uma bolsa do governo federal de R$ 100 mensais. “ Parece pouco, mas se observarmos que 80% dos professores de 1ª a 4ª série no País ganham uma média de R$ 360 mensais, a bolsa representará um aumento salarial de 30%”, comenta Cristovam. O concurso será realizado em setembro, alcançando dois milhões (300 mil leigos) de professores em todo o País. No primeiro ano, 20 centros localizados em universidades em todo o País serão os responsáveis pelos cursos de aperfeiçoamento.
Outro alvo de mudanças será o Provão, o exame que os universitários fazem no final de seus cursos e serve para avaliar a qualidade do ensino superior. Além da prova feita pelos alunos, o novo Provão terá mais dois critérios de avaliação das universidades. O primeiro é institucional, com inspetores do MEC indo aos estabelecimentos de ensino verificar suas condições operacionais. O segundo é analisar os currículos e o perfil dos alunos formados, para verificar se a instituição tem o que Cristovam chama de compromisso com o País. “Uma faculdade de medicina, por exemplo, que tipo de médico forma? Ou uma de educação, quantos professores de física forma por ano? Temos uma enorme carência de professores de física e uma universidade que não se preocupa com isso terá uma nota baixa”, comenta. O ministro acha que criar o hábito da avaliação foi o grande mérito de seu antecessor, Paulo Renato. Mas acha que chegou a hora de ir além. “Já existem cursinhos para o Provão. Por isso, nos cursos muito numerosos, nem todos farão a prova. A escolha será por amostragem, para evitar distorções. Ninguém saberá, até pouco antes do teste, que será escolhido”, anuncia o ministro.
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