07/12/2005 - 10:00
A mulher e o poder político não costumam formar um par freqüente, principalmente em salões da América Ibérica, onde a elite patriarcal durante muito tempo impôs seus passos e suas vontades com a mesma crueza com que o gaúcho tangia o gado. Mas, como dizia uma antiga canção, “o gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente”. Tão diferente que as mulheres estão, cada vez mais, ganhando destaque político na região – embora, na maioria das vezes, ainda pela mão dos homens. Na Argentina, o presidente Néstor Kirchner surpreendeu ao demitir, na segunda-feira 28, o seu todo-poderoso ministro da Economia, Roberto Lavagna, e colocar em seu lugar a economista Felisa Miceli, 51 anos, que até agora chefiava o Banco de La Nación Argentina. Kirchner surpreendeu ainda mais ao designar Nilda Garré, 55 anos, atual embaixadora argentina na Venezuela e militante de direitos humanos nos anos 70, para chefiar a pasta da Defesa. Nestes tempos de bom-mocismo político, é uma grande ousadia colocar uma ex-militante esquerdista para comandar Forças Armadas ainda marcadas pela mais truculenta das ditaduras militares do Cone Sul. Até por isso os críticos já estão dizendo que as novas ministras não passam de marionetes do presidente – Felisa, de fato, declarou-se uma “soldado kirchnerista” –, que busca, com estas e outras mudanças no gabinete, consolidar sua liderança. Pode ser. Mas é preciso lembrar que por trás de Kirchner está sua mulher, Cristina Fernández, estrela ascendente da política, eleita senadora pela Província de Buenos Aires em outubro passado e já tida como presidenciável. E também que a pátria do tango foi a precursora da dança das mulheres com o poder na região: nos anos 40, Evita Perón, uma carismática primeira-dama, se tornou a maior líder de massas do país. E em 1974, a Argentina foi o primeiro país das Américas a ter uma mulher na Presidência, a ex-dançaria Isabelita Perón, cujo governo, de triste memória, foi a ante-sala da ditadura. Mas essa é outra história.
La Moneda – Os ventos de mudança atravessaram a Cordilheira dos Andes e já alcançaram o Chile, considerado um dos países mais conservadores da América Latina, em termos comportamentais. Para se ter uma idéia, o divórcio só foi aprovado naquele país no ano passado. Por isso, é surpreendente que a médica Michelle Bachelet, 54 anos, esteja prestes a se tornar a primeira mulher a ocupar o Palácio de La Moneda (sede da Presidência). Militante socialista, Bachelet é filha de um brigadeiro legalista que morreu na prisão durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Como ministra da Defesa do presidente Ricardo Lagos, ela conquistou a confiança das Forças Armadas pela firmeza e profissionalismo com que dirigiu a pasta. A projeção de Bachelet foi tamanha que ela foi eleita a candidata da Concertación, a coalizão de socialistas e democratas-cristãos que governa o Chile desde 1990.
Pioneirismo – Mas se no Chile é novidade as mulheres estarem próximas do poder, na Colômbia já virou quase tradição. Tudo começou em 1991, quando a bela Noemí Sanín se tornou ministra das Relações Exteriores do governo de César Gaviria, a primeira mulher a ocupar esse cargo na América Latina. Em sua passagem pelo Brasil, em 1993, ela deixou embasbacado o então presidente Itamar Franco. Noemí não era apenas bonita, mas competente, embora tenha fracassado em suas tentativas de chegar à Presidência (1998 e 2002). Depois de Noemí, a Colômbia teve mais duas mulheres na chancelaria (María Emma Mejía, entre 1996 e 1998, e a atual, Carolina Barco Isakson, filha do ex-presidente Virgilio Barco). E o atual presidente, Alvaro Uribe, que tomou posse em 2002, apesar de politicamente conservador, mostrou-se liberal em questões de igualdade de gênero ao nomear seis mulheres para o Ministério de 16 pastas. Entre elas, María Lucía Ramírez, a primeira ministra da Defesa da Colômbia, que renunciou em 2003.
No resto do mundo, a participação feminina na política teve forte impulso a partir da convulsão cultural dos anos 60. Sirimavo Bandaranaike, do Sri Lanka, foi a primeira mulher a virar chefe de governo, em 1960, seguida por Indira Gandhi, em 1966, na Índia, e Golda Meir, em 1969 em Israel. Depois, a golpes de dama de ferro, a onda feminina atingiu o Reino Unido em 1979, com Margaret Thatcher, e chegou à Noruega em 1981, com Gro Harlem Brundtland. Em seguida, rumou para a Ásia, com Corazón Aquino nas Filipinas em 1986 e aportou pela primeira vez na América Latina em 1990, com Violeta Chamorro na Nicarágua. A última e mais decisiva manifestação desse fenômeno ocorreu neste ano na Alemanha, quando Angela Merkel se tornou a primeira chanceler (primeiro-ministro) daquele país.
Mercosul – Voltando ao Mercosul, vê-se que até os sócios menores, Uruguai e Paraguai, também foram tomados pelo desejo de minorar, ainda que tardia e parcialmente, a desigualdade de gêneros na política. No arcaico Paraguai, pelo menos a chancelaria é ocupada por uma mulher, Leila Rachid, desde a posse do presidente Nicanor Duarte Frutos, em 2003. E, no Uruguai, a veterana militante de direitos humanos Azucena Bernutti, 75 anos, tornou-se ministra da Defesa do governo esquerdista de Tabaré Vazquez – outra situação delicada, também devido ao passado ditatorial dos militares uruguaios. E no Brasil, onde a primeira ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, não deixou saudades, a ascensão de Dilma Rousseff à Casa Civil e sua defesa de uma política econômica menos ortodoxa do que a defendida pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, traz as mulheres pela primeira vez à linha de frente da política do governo. E, desta vez, não haverá boleros.