Em maio, uma francesa de 38 anos foi atacada por um cachorro. As mordidas desfiguraram seu rosto de tal forma que ela não conseguia falar nem mastigar. A boca, o nariz e o queixo estavam destruídos. Uma equipe de médicos do Hospital de Amiens, no norte da França, comandada pelo cirurgião Jean-Michel Dubernard, optou por tentar um procedimento que vem sendo estudado há tempos: o transplante facial. A operação, que se limitou às regiões atingidas, envolveu a preparação psicológica da paciente. Afinal, além do ineditismo da cirurgia e de seus possíveis riscos, havia outra questão. Ela não teria de volta sua feição original. Mas recuperaria qualidade de vida. A paciente se submeteu à experiência no domingo 27. Foi o primeiro transplante do gênero no mundo. Segundo os médicos, a mulher passa bem.

O transplante facial é um procedimento delicado. Há anos os cientistas pesquisam a viabilidade dessa operação, que apresenta riscos a curto e a longo prazo. Pouco tempo após a cirurgia existe a possibilidade de formação de coágulos na rede de vasos transplantada. Num prazo mais extenso, o perigo é a rejeição do material doado. Outro problema é a reação do paciente ao rosto adquirido. Isso porque é difícil estimar como ficará a face da pessoa depois de tudo. No caso da paciente francesa, já se informou que ela está com um aspecto “híbrido”. Nem com os traços anteriores ao ataque, nem com a aparência do doador. Detalhes não foram revelados. Numa nota, Dubernard avisou que o transplante aparentava normalidade.

Dubernard tem experiência em procedimentos complexos. Em 1998 ele liderou um time internacional de médicos que operou um neozelandês que havia perdido a mão direita num acidente. O paciente, no entanto, não suportou conviver com o membro doado e a obrigação de tomar remédios anti-rejeição e pediu para voltar a ser como era. Questões como essas preocupam os cientistas. Mas eles estão dispostos a experimentar. Em setembro, médicos de Cleveland, nos EUA, começaram a buscar candidatos para um transplante facial. De imediato afirmaram que os escolhidos seriam aqueles com o rosto realmente desfigurado. Nada de pessoas com pequenas cicatrizes. Os selecionados também deverão ter a pele saudável para que os cirurgiões possam remover parte dela e implantá-la nas áreas afetadas, caso o transplante não dê certo.

É por causa da chance de fracasso que os cirurgiões plásticos receberam a notícia com cautela. “É um progresso do ponto de vista científico, mas ainda será preciso avançar muito mais até que a técnica tenha o seu lugar na prática médica”, ressalva a cirurgiã Vera Cardim, diretora-geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Além disso, de acordo com a médica, o procedimento disponível hoje para tratar faces desfiguradas – reconstruir os locais afetados com material retirado de outras partes do próprio corpo – é eficaz, em geral, e não tem o risco de rejeição.