07/12/2005 - 10:00
"Pode tomar nota que vou voltar!” Seis anos depois, o líder estudantil de 23 anos José Dirceu de Oliveira e Silva cumpriu a promessa feita a um policial em 1969, a bordo de um avião que o levou ao exílio em Cuba. Era um dos 15 presos trocados pelo embaixador dos EUA Charles Elbrick. Colecionador de famas boas e más, o desafiador Dirceu tem mais essa: a teimosia. Às 19h30 da quarta-feira 30, ele despediu-se da Câmara diante do silêncio respeitoso até da oposição, que decepou seu mandato de deputado federal por quebra de decoro, sob a acusação de chefiar o chamado mensalão. Cassado, na manhã seguinte, Dirceu já acordava na trincheira política. Batizado de “comandante” por assessores, Dirceu quer mobilizar suas tropas para a reeleição de Lula, desde que o presidente sinalize uma mudança na economia que viabilize a construção de um “projeto de desenvolvimento”.
Com o péssimo resultado da redução de 1,2% do PIB no terceiro trimestre, Lula passou a temer a degola nas urnas. E revelou sua preocupação ao próprio Dirceu, num telefonema horas antes da cassação. A relação entre os dois está abalada. Dirceu acha que Lula poderia tê-lo salvado. Na véspera do julgamento, um petista graúdo levou um pito do presidente ao comentar que se empenhava para salvar a pele de Dirceu: “Não se meta nisso.” Lula apostou na tese de que a oposição ficaria saciada com a cabeça de seu ex-braço direito.
Página virada, Dirceu já atua em vários fronts. Um é a prestação de contas. Ele entregou ao escritor Fernando Morais documentos e vai gravar 80 horas de entrevista para publicar em abril um livro recheado de bastidores: um relato de seus 30 meses na Casa Civil.
Será no estilo do que Gabriel García Márquez escreveu sobre um cineasta que enganou a repressão de Pinochet: “A aventura de Miguel Littin clandestino no Chile.” A idéia é mostrar o que o ex-ministro pôde e o que não pôde fazer, apontando os obstáculos e as decisões do presidente. Uma análise que não poupará a ortodoxia na economia. “Só não revelarei segredos de Estado”, avisou. Dirceu diz que o livro vai mostrar à oposição que Lula tem um projeto de governo.
Tio Sam – Outro front são os EUA. Dirceu embarca em janeiro, a convite do Partido Republicano de George W. Bush: vai aprender inglês, dar palestras e morar na casa de um amigo americano. O “subversivo” trocado pelo embaixador em 1969 se aproximou da elite americana em 2002, quando foi a Wall Street acalmar os investidores, garantindo que, eleito, Lula não daria calotes. Ficou amigo da poderosa Condoleezza Rice, secretária de Estado. Três meses antes de deixar o Ministério, Dirceu encontrou-se com ela nos EUA: conversou sobre temas como Alca, papel do Brasil na América Latina e economia. Isso logo depois de ter visitado Fidel, o que suscitou rumores de que ele intermediava uma aproximação entre os dois países.
No front da opinião pública, Dirceu vai manter seu site e acertar com um grande portal da internet a criação de um blog. No front jurídico e financeiro, o advogado Dirceu vai se associar à advogada Lilian Ribeiro, como consultor. Ele pensa em apresentar no Congresso projeto de anistia, argumentando que sua cassação foi injustificada, como já fizeram outros cassados. No front eleitoral, defende fogo cerrado sobre os tucanos desde já, tática que divide o PT. Há os que querem agora a cabeça do ex-presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), envolvido no valerioduto. Dirceu também quer atrair para sua trincheira os soldados descontentes com o governo Lula, espalhados em movimentos sociais e em sindicatos. A artilharia contra a política econômica será feita por Daniel, codinome que Dirceu recebeu no treinamento militar em Cuba. “A partir de agora, sem cargos, ele pelo menos estará mais livre para criticar até mesmo o presidente”, confidenciou um colega. Suplente do Diretório Nacional do PT, Dirceu poderá acabar voltando à cúpula. “O Zé não precisa de mandato para agir na política”, explica o dirigente Francisco Campos. Em seus 40 anos de vida pública, agiu 27 anos sem mandato eletivo e quase 13 como deputado estadual e federal.
A derrocada de Dirceu começou em fevereiro de 2004, com o escândalo Waldomiro Diniz. Arrepende-se de não ter saído naquele momento, mas ficou e acabou perdendo os anéis e os dedos. “Coloquem-se no meu lugar. Como é possível cassar sem provas meus direitos políticos até 2016, quando estarei com 70 anos?”, apelou, antes da cassação. “Foi simbólica a bengalada do aposentado, que recairá sobre cada um de nós”, advertiu o deputado João Fontes (PSB-SE). Referia-se ao escritor Yves Hublet, 67 anos, que deu duas bengaladas em Dirceu na véspera da votação. É o primeiro petista a perder o mandato por questão ética, com o placar 293 x 192. É o segundo cassado do mensalão: com 36 votos a mais do que o mínimo necessário. Seu algoz Roberto Jefferson (PTB-RJ) foi cassado com 56 votos a mais do que o necessário: 313 x 156. O PTB foi um dos que mais contribuíram para impedir a cassação de Dirceu. Jefferson chegou a ameaçar o líder José Múcio, que trabalhou pelo petista: contaria o destino dado aos R$ 4 milhões recebidos por Marcos Valério. Dirceu viveu sob fogo cerrado durante 160 dias, desde a saída da Casa Civil até a degola no plenário, depois de uma árdua batalha do Supremo Tribunal Federal. Um foi absolvido e cinco renunciaram. Há ainda 13 parlamentares com a cabeça a prêmio.
O petista foi condenado pelos colegas e ainda é por boa parte da sociedade. Diz que será absolvido na Justiça. Mas Dirceu tem o mesmo sonho do amigo e também advogado Fidel Castro – igualmente controvertido e polêmico. Em 1953, quando Dirceu tinha sete anos, Fidel, com 26 anos, fez sua histórica autodefesa nos tribunais da ditadura de Fulgêncio Batista – após liderar o famoso assalto ao Quartel Moncada. E desafiou: “Condenai-me. Não importa. A história me absolverá.” Mas isso, em ambos os casos, só o futuro saberá.